Entrevista: Daniel Lucas, Director Técnico da Aldeia SOS da Guarda
Daniel Lucas é natural de Orjais, concelho da Covilhã, mas é da Guarda no coração. Frequentou o Seminário da Guarda (secundário), o IPGuarda (Educação), IPLeiria (Serviço Social) e Associação Portuguesa de Psicanálise e Psicoterapia Psicanalítica. Gosta de Desporto (Crossfit), ouvir e tocar Música, estar na natureza… e estar o máximo de tempo com a família.A GUARDA: As Aldeias de Crianças SOS têm como missão acompanhar as crianças e jovens que se encontram em situação vulnerável. Como é que a Aldeia SOS da Guarda promove esta missão?
Daniel Lucas: As Aldeias de Crianças SOS acolhem e cuidam de crianças e jovens em situação de vulnerabilidade social. Somos uma organização internacional presente em 136 países, com programas de protecção (Aldeias SOS), prevenção, emergência, educação e saúde. Em Portugal, temos 3 Aldeias SOS e 3 Programas de Fortalecimento Familiar (prevenção). Nas Aldeias SOS pretendemos apoiar na construção da sua autonomia e inserção social enquanto cidadãs e cidadãos conscientes e activos, quebrando assim o ciclo de desvantagem familiar e social. Assim, educar para a autonomia é a principal razão de ser da intervenção que levamos a cabo, de forma individual ou colectiva, enquanto responsáveis pelo cuidado e satisfação das necessidades de desenvolvimento das crianças e jovens que em algum momento nos estão confiados.O nosso modelo materializa-se como Modelo Terapêutico de Inspiração Familiar. Para além de todos os aspectos técnicos de estimulação cognitiva, diversas terapias (psicologia, terapia da fala, terapia ocupacional, psicomotricidade, várias actividades extracurriculares) acreditamos que os afectos são promotores de uma melhor reorganização emocional destas crianças e jovens. Para além da Aldeia SOS, na Guarda temos também um Programa de Fortalecimento Familiar, fruto do acordo de cooperação com o ISS, tipificando esta resposta como CAFAP – Centro de Apoio Familiar e Aconselhamento Parental. Esta resposta tem como grande objectivo dotar as famílias de competências que lhes permitam manter as crianças no seu agregado familiar, respeitando a individualidade pessoal e familiar. É uma resposta da Associação para a comunidade, tornando-a gradualmente mais capaz de actuar face às alterações inevitáveis do conceito de família.
A GUARDA: Como é constituída, actualmente, a Aldeia SOS da Guarda?
Daniel Lucas: A Aldeia SOS da Guarda tem 26 Crianças/Jovens, é constituída por 4 Casa SOS (média de 5 crianças por casa, de várias idades e ambos os sexos) e 1 casa de Transição (jovens totalmente autónomos, maiores de idade que se encontram em contexto de trabalho e/ou em formação escolar). As Casas SOS têm uma Equipa Educativa (Cuidadora de Referência, Assistente Familiar e um Educador Social). A Aldeia SOS conta ainda com uma equipa de apoio (auxiliares gerais) e uma Equipa Técnica (Director, Assistente Social e Psicóloga)
A GUARDA: Como é que a Aldeia SOS tem vivido este tempo de pandemia?Daniel Lucas: Podemos dizer que passamos até agora por dois momentos. Um primeiro momento (confinamento) que tínhamos uma sensação maior de segurança e de controlo! Em Setembro com abertura das escolas, de uma vida naturalmente mais dentro dos padrões habituais e com o aumento de casos criaram-se algumas angústias e receios inerentes ao retomar da normalidade. Porém, sinto as nossas crianças e jovens felizes que, em última instância, é isso que desejamos sempre!
A GUARDA: A Covid19 alterou muito a rotina habitual da Aldeia SOS da Guarda?
Daniel Lucas: Neste momento a nossa rotina e a dos nossos residentes é a mesma que a de um qualquer cidadão. Com todos os cuidados que isso acarreta.Na primeira fase pandémica, devido à nossa estrutura, conseguimos criar, em tempo record, uma “mini escola”, para os diversos anos escolares. Isto só foi possível devido à excelente equipa técnica e educativa, muito dedicada, motivada e solidária. Não esquecendo que os voluntários aqui tiveram um papel fundamental para que fosse possível criar esta dinâmica. As outras rotinas, adaptadas às diversas faixas etárias, mantiveram-se. Foi possível nessa altura acrescentar mais actividades, dentro no nosso espaço exterior, como futebol, basquetebol, cinema ao ar livre e até um pequeno ginásio. Foi benéfico para a saúde mental de todos, esta forma de nos reinventarmos dentro de portas.
A GUARDA: Quais os grandes desafios da Aldeia SOS da Guarda para os próximos tempos?
Daniel Lucas: Fazemos por transformar sempre as dificuldades em desafios. O desafio da Aldeia SOS da Guarda será sempre um desafio de toda a Associação. Todos vivemos um momento complexo e difícil. Procurar parceiros que se revejam e queiram apoiar o nosso projecto, promotores aliados a melhores condições quer estruturais como de apoio psicossocial para uma melhor integração destes jovens nas comunidades; Sabendo sempre, e tenho isto sempre como tópico principal, que estas crianças e jovens não são da Aldeia SOS, são de todos nós. Só assim é que será possível dar diversos caminhos a estas crianças e jovens, tornando-os cidadãos formados e informados, activos, dinâmicos, conscientes e mais tarde contribuintes para uma sociedade mais justa e perfeita (equilibrada).
A GUARDA: E quais as principais dificuldades?
Daniel Lucas: É para nós muito importante salvaguardar que estamos à altura de lidar com as dificuldades que inerente mente surgem dentro desta área social. Pretendemos conseguir sempre ter um tecido humano capaz de responder assertivamente e profissionalmente às necessidades destas crianças e aos desafios que diariamente temos na medida em que a protecção é sempre um mecanismo complexo dentro da sua simplicidade.
A GUARDA: Como é que as pessoas podem colaborar com a Aldeia SOS da Guarda?
Daniel Lucas: Muito fácil! Para apoiar as Aldeias de Crianças SOS e fazer a diferença na vida de mais de 400 crianças em Portugal, convidamos as pessoas a tornarem-se Amigos SOS. Os Amigos SOS são pessoas muito especiais para nós pois, através de um donativo mensal, permitem que o nosso trabalho aconteça diariamente. Também é possível fazerem donativos pontuais ou donativos em espécie (produtos alimentares perecíveis, de higiene pessoal e limpeza). E neste momento, aqui na Aldeia SOS da Guarda, necessitamos de voluntários para apoio escolar nas áreas na Matemática, Física e Química para o secundário. Infelizmente por questões de logística e da situação pandémica que atravessamos não conseguimos, neste momento, receber roupas, sapatos e brinquedos. Acabámos de lançar também a nossa Campanha de Natal: “Qual a tua Esperança este Natal? A minha esperança está em ti!”. Podem Consultar nas nossas Redes Sociais e na nossa página (www.aldeias-sos.org).
A GUARDA: Considera que a cidade da Guarda olha com carinho para a Aldeia SOS?
Daniel Lucas: Todos sabemos que temos um desafio enorme nas mãos que é dar segurança, educar e cuidar. Estou na Aldeia SOS da Guarda há 5 anos. Sempre senti por parte das entidades (Câmara Municipal, Junta de Freguesia, Segurança Social e CPCJ´s) uma enorme parceria e estreitos laços de apoio. Naturalmente que será sempre necessário mais. Mas, sabemos que todos estes parceiros têm o mesmo objectivo para com estes cidadãos. Assim, como na comunidade em geral há um carinho reconhecido devido à boa integração destes jovens. Também o trabalho regular com as escolas fez com que estes anos tivéssemos uma taxa de sucesso escolar de 100%, que muito nos orgulha. A cidade está mobilizada para dar e ajudar no que pode. Vemos isso com os voluntários, com parcerias em actividades. (estão integrados em diversas actividades extracurriculares: futebol, crossfit, ballet, natação, equitação, basquetebol, escuteiros…) e é neste carinho, nesta relação próxima e cúmplice que faz com que estas crianças e jovens tenham estas oportunidades para além da aprendizagem formal.Somos uma instituição virada para a comunidade e queremos que o recíproco seja sempre verdadeiro, pois só com esta cumplicidade nos sentimos pertença à comunidade e conseguimos educar crianças para a importância da integração na comunidade local e global.