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“O encerramento da SERRALÃ, nos Trinta, é mais uma baixa na economia concelhia, restando apenas a Evaristo Sampaio”

Entrevista: António Joaquim Fernandes Soares, autor do livro “A indústria têxtil no concelho da Guarda – Subsídios para a sua história”

António Joaquim Fernandes Soares nasceu nos Trinta, concelho da Guarda. Concluída a Escola Primária, frequentou o Seminário Menor de Beja e o Seminário Maior de Évora.
Frequentou entre 1968 e 1973 a Faculdade de Filosofia de Braga, obtendo o grau de Licenciado em Filosofia. Foi Vice-presidente da C. I. da Escola Secundária de Aldeia do Souto, Presidente do Conselho directivo / Executivo / Director da Escola Secundária de Afonso de Albuquerque durante 15 anos, e Presidente da C. I. do respectivo Agrupamento. Publicou artigos no Jornal “A Guarda”, na revista “Ciência e Tecnologia” do I. P. Guarda, na revista “Altitude”. É autor da monografia “Freguesia de S. Pedro dos Comedeiros do lugar dos Trinta”.
Ocupa os tempos livres na jardinagem, actividades agrícolas, leitura e investigação.
A GUARDA: O que é que o motivou a escrever um livro sobre a indústria têxtil no concelho da Guarda?

António Soares: O motivo principal foi a verificação de que o património arquitectónico industrial relacionado com a indústria têxtil, de mais de dois séculos, está em acelerado estado de degradação, pelo abandono a que foi votado a partir do momento em que deixou de ser útil, correndo-se mesmo o risco de não ficar qualquer registo para memória futura.
Esta realidade foi testemunhada nas deambulações pelo leito do rio Mondego a visitar e fotografar antigos pisões, engenhos, açudes e levadas, quando escrevi a monografia da “FREGUESIA DE S. PEDRO DOS COMEDEIROS DO LUGAR DOS TRINTA”.
Uma outra razão foi a descoberta, no MUSLAN (Museu de Lanifícios da U.B.I.), de documentação oriunda do espólio do Grémio dos Industriais de Lanifícios de Gouveia (GILG) relativa às freguesias do concelho da Guarda onde esta indústria se desenvolveu.
O dever cívico e moral levou-me a reflectir sobre esta realidade e a partilhar esta reflexão nas páginas que compõem este livro, com a certeza de não ter esgotado o tema, mas de dar um contributo para não o deixar cair no esquecimento.

A GUARDA: Em termos gerais, como é que o livro está estruturado?

António Soares: Ao longo de 230 páginas divididas por oito capítulos, apresenta-se uma breve síntese do que foi a actividade têxtil ao longo da História e, mais concretamente, no território que hoje constitui Portugal, centrando-se no período medieval. Não foram esquecidos os regimentos corporativos e o Regimento da Fábrica dos Panos de 1573, que estabeleceu as regras que vigoraram até meados do século XIX.
Elabora-se de seguida um conjunto de referências que sublinham a centralização da indústria de lanifícios na região da Serra da Estrela. Rebanhos, lã, transumância, canadas e energia hídrica são temas obrigatórios, bem como a referência às políticas económicas que permitiram a criação das manufacturas na zona serrana.
Falar da indústria de lanifícios implica abordar a tecelagem de panos finos e grossos, mais destes que daqueles. Assiste-se também à enumeração de pisões, engenhos, fabricantes de xailes, mantas e cobertores de papa, em teares de pau, nas várias freguesias do concelho, se, esquecer a abertura da indústria a novas matérias primas.
Por fim, apresenta-se um vasto conjunto de dados extraídos dos Inquéritos industriais, seguido de uma abordagem à evolução dos quadros de pessoal, dos salários, das associações patronais e operárias, concluindo-se a reflexão com a obrigação, moral e cívica, que todos temos de preservar um património secular em vias de extinção, e com a apresentação de alguns passos dados nesse sentido.

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A GUARDA: Quais os lugares do concelho da Guarda onde a indústria têxtil teve maior expansão?

António Soares: Se fiar e tecer são actividades milenares comuns à generalidade dos povos, a manufactura com fins comerciais é mais recente, o mesmo se dizendo da transição para processos mecanizados ou automatizados.
Dos documentos que nos foi possível coligir, o mais antigo data de 24 de Janeiro de 1823, mas se atendermos às “Memórias Paroquiais” de 1758, verificamos que em bastantes freguesias do concelho existiam pisões, sinal de que a fiação e tecelagem já teriam ultrapassado o nível da produção para consumo doméstico.
Localizando-nos no início do século XIX, vamos encontrar nos Trinta os primeiros engenhos de cardação e fiação com rodas hidráulicas. No final do século a actividade já se tinha expandido para os Meios e Corujeira, apenas no sector da tecelagem.
Foi preciso esperar pelo século XX para surgirem, no limite de Pero Soares, duas fábricas de cardação e fiação pertencentes a sociedades que integravam elementos de Maçainhas e de Vale de Estrela. Também uma fábrica nos Meios era propriedade de sócios desta localidade e de Vale de Estrela.
No início do século surgia a fábrica do Rio Diz, já movida a electricidade, e equipada com as tecnologias mais avançadas da altura.
Atendendo à concentração do número de empresas e de operários, a indústria têxtil teve particular desenvolvimento na freguesia dos Trinta.

A GUARDA: Este livro aparece no momento em que encerra mais uma empresa têxtil na aldeia de Trinta. Como avalia o declínio desta actividade no concelho da Guarda?

António Soares: O fabrico dos cobertores de papa começou a declinar nos finais da década de 60, levando ao encerramento de muitas microempresas familiares de tecelagem. Algumas ainda resistiram até ao fim do século utilizando teares mecânicos.
Por sua vez as fábricas de cardação e fiação, modernizadas, haviam adaptado a produção a novas matérias primas que, depois de processadas, eram colocadas nos mercados nacional e internacional.
A colocação no mercado de produtos oriundos do médio e extremo Oriente, na sequência de acordos comerciais da CE, a preços insignificantes, e a apetência dos clientes por novos produtos, estarão na origem do declínio da indústria têxtil no concelho.
Uma a uma, como um baralho de car- tas, as empresas foram encerrando, e outras viram-se obrigadas a reestruturar o quadro de pessoal. O encerramento da SERRALÃ nos Trinta é mais uma baixa na economia concelhia, restando apenas a “Evaristo Sampaio”, nos Trinta, e a “Manuel Rodrigues Tavares”, na Guarda.

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A GUARDA: Como olha para o futuro da indústria têxtil no concelho da Guarda?

António Soares: Como se pode depreender da resposta anterior, o futuro não se apresenta risonho, a não ser que haja uma aposta na qualidade e na diversificação de produtos e de mercados. Certamente que os gestores das unidades em funcionamento saberão melhor do que eu o que fazer.

A GUARDA: Faria sentido a criação de um museu/fábrica da indústria têxtil do concelho da Guarda?

António Soares: Faria todo o sentido a criação de um museu-fábrica de cardação e fiação, à semelhança dos engenhos do século XIX, assim como faria sentido recuperar um pisão com roda hidráulica dos muitos que havia junto ao rio Mondego.
Existem edifícios de antigos engenhos em condições de serem recuperados em termos de edifício, açude, levada e roda. É possível que, percorrendo os sucateiros, ainda fosse possível descortinar cardas e fiações de carruagem.
Pergunto: Se há tantas candidaturas para projectos de toda a ordem, não seria possível avançar com um que contemplasse esse objectivo?
Seria desonesto da minha parte não sublinhar o muito que já foi concretizado para salvaguardar o sector da tecelagem. Falta o apisoamento, a cardação e a tecelagem.

A GUARDA: Quando e onde vai apresentar o livro “A indústria têxtil no concelho da Guarda”?

António Soares: O livro “A INDÚSTRIA TÊXTIL NO CONCELHO DA GUARDA – SUBSÍDIOS PARA A SUA HISTÓRIA”, vai ser apresentado no próximo dia 2 de Fevereiro, sábado, pelas 15.00 horas, no auditório do Paço da Cultura da Guarda.
A apresentação será feita pela Sr.ª Prof.ª Elisa Calado Pinheiro, Prof.ª jubilada da U.B.I., que também escreveu o prefácio.

A GUARDA: Escreveu este livro a pensar em quem?
António Soares: Em primeiro lugar dedico este livro a meus netos, Afonso, Matilde e Pedro (por ordem alfabética e não por ordem de afectividade), porque eles representam o futuro, e este só poderá ser entendido em função do passado.
Na sua pessoa, dois deles ainda não sabem ler, simbolizo o esforço e obrigação que todos devemos sentir para preservar o legado de mais de dois séculos de história que os nossos antepassados nos deixaram em condições que, ainda hoje, merecem a admiração dos que o contemplam.

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