Entrevista: Marcos Osório, arqueológo da Câmara Municipal do Sabugal
Marcos Osório é Doutorando em Arqueologia e investigador no Centro de Estudos em Arqueologia, Artes e Ciências do Património.
É arqueólogo da Câmara Municipal do Sabugal desde 1997, onde já dirigiu escavações arqueológicas em cerca de duas dezenas de sítios diferentes e de variadas cronologias, organizou a exposição arqueológica permanente do Museu do Sabugal e o respectivo catálogo e produziu a Carta Arqueológica Municipal, integrada no Sistema de Informação Geográfica Municipal.
A GUARDA: Numa altura em que os meios digitais ganharam predominância e ocupam grande parte do tempo principalmente aos mais novos, considera que ainda há lugar para os museus?
Marcos Osório: Sim, podemos dizer que os museus têm um papel importante a desempenhar num mundo em que cada vez mais a imagem visual é desenvolvida e as pessoas têm pouco tempo para contemplar. As pessoas vêem coisas mas de uma forma muito rápida. Os museus são esses espaços onde se pode olhar, observar, ler, compreender. É preciso haver espaços para isso, sobretudo para os jovens.
Os jovens estão tão habituados a usar os écrans e a tecnologia que é tudo muito efémero, é tudo muito rápido. É interessante explorar esta pergunta porque o museu vem oferecer uma coisa que permite ser vista mais devagar. É que não é só ver, é também compreender e ler. Eu acho que esse é o papel que os museus devem continuar a ter e deve ser salientado.
A GUARDA: Então os museus não são apenas guardadores de memórias e de história?
Marcos Osório: Claro que também há essa componente que eu não disse, mas não disse porque lhe quis dar um cunho mais actual. Os museus sempre foram guardadores de memórias, obviamente. Mas tem tudo a ver uma coisa com outra., porque uma coisa que eu vejo rápido sai depressa da minha memória, mas uma coisa que fica registada fica mais permanente na memória. Então, o Museu acaba por ser o único espaço onde a gente pode guardar memórias que desaparecem, que deixam de existir, que se perdem, que saem do dia-a-dia, seja a arqueologia, seja a etnografia, sejam tradições, seja a arte, seja tudo isso. Realmente os museus são espaços de memória por isso mesmo.
A GUARDA: O Museu da Guarda assinalou o Dia Internacional dos Museus com uma palestra sobre ‘Tesouros do Passado: descobrindo a História através da Numismática’. Este tema é cativante para os arqueólogos?
Marcos Osório: Bem, para os arqueólogos é sempre cativante porque, como eu disse, na palesta, a moeda desde sempre foi um elemento muito importante não só de compreensão das culturas, das nações, dos estados, dos reinados, para compreender a sua economia, a sua cultura, a suas tradições e até a sua religião, mas sobretudo porque para os arqueólogos elas são os melhores indicadores cronológicos que auxiliam a datar as construções, os níveis estratigráficos, as ocupações, os abandonos. Mas também é porque a moeda também é muito apreciada pela população. Então a moeda acaba por ser um elemento muito interessante de nós comunicarmos com a população, porque as pessoas gostam de ouvir falar sobre moedas e nós podemos aproveitar a s moedas para transmitir a história por trás das moedas. Se falássemos de história, se calhar, era enfadonho mas ao falar de histórias através das moedas conseguimos chegar às pessoas, porque as pessoas sempre gostaram de moedas e vão sempre continuar a gostar de moedas.
A GUARDA: O Sabugal aproveitou o Dia Internacional dos Museus para apresentar um novo número da revista Sabucale?
Marcos Osório: O número treze da Revista Sabucale foi um número difícil de sair e, como tal, não é só do ano de 2023 mas também é de 2022/2023. Tivemos de lidar com várias vicissitudes fruto sobretudo de alterações no conselho de redacção pela perda de um dos elementos fundadores e também por problemas de orçamento nesta época de inflação em que foi difícil encontrar orçamentos, preços. Os orçamentos variavam rapidamente num mês e tentámos ao máximo evitar que a revista ficasse encarecida e passasse aquela barreira que achamos que é o ideal de venda ao público.
Este número acaba por sair fruto de muito esforço, de muita resiliência. Não é fácil manter uma revista cultural num município do interior mas, mesmo assim, graças ao apoio que a Câmara sempre deu e ao esforço dos técnicos envolvidos e dos autores que continuam a escrever, porque não é fácil encontrar autores, conseguimos lançar finalmente, com muito gosto, o número treze para que esta revista não morra e continue. Fizemos duas pequenas alterações: uma, mudámos um bocado o estilo gráfico da capa, com o apoio agora de um designer; e aumentámos a área de temática incorporando outros temas como a Biologia, porque a revista é uma revista do território do Sabugal. Não é uma revista de arqueologia e de história só, mas é uma revista do território, e o território é tudo: é as pessoas, é o meio ambiente, é o meio físico.
A GUARDA: Mas podemos dizer que o território do Sabugal é muito rico em arqueologia?
Marcos Osório: Sim, o território do Sabugal como era rico em arqueologia, o Museu tem uma exposição permanente de arqueologia, a Sabucale nasce como uma revista de arqueologia e história. Mas desde cedo que metemos antropologia, etnógrafa, museologia, formos alargando pouco a pouco par aa geografia e agora estamos a querer alargar para âmbitos mais naturais como a geologia, a biologia, tudo o que são as componentes que fazem no fundo parte de um território numa perspectiva holística. Um território é tudo, é o meio ambiente e as pessoas que lá vivem.
A GUARDA: Como é que o sabugal está a promover os lugares arqueológicos existentes no concelho?
Marcos Osório: Em relação à promoção dos lugares arqueológicos não há um programa específico neste momento. Gostaria de destacar o trabalho que continua a ser feito nos castelos, porque realmente os sítios arqueológicos do concelho são exactamente os castelos. Neste momento estamos a fazer uma obra que eu considero fundamental e que nos tem dado muito trabalho mas que vale a pena, que é a requalificação do castelo de Alfaiates. Ela está a entrar já numa fase final e aquilo que se fez no castelo e aquilo que as pessoas vão poder ver do castelo é realmente único, é deslumbrante. O castelo estava completamente arruinado, não era visitado e agora está a ser recuperado, restaurado, revitalizado. Vai ser, em breve, um sítio muito importante no concelho, para além de Sortelha, de Vila do Touro – do que já fizemos em Vila do Touro com todos os projectos de criação de escadarias, painéis – para além do castelo do Sabugal e do de Vilar Maior, agora sim, vamos ter cinco castelos com o mesmo empenho, o mesmo esforço, de investimento neles.
Quando nós temos cinco castelos, não há sítio arqueológico que consiga bater os castelos e por isso temos investido sobretudo nos castelos. Porém temos estado a estudar um novo sítio que é o S. Cornélio, que é um dos castros mais importantes do Sabugal. É um dos sítios que se avista de longe, desde a Covilhã, desde a Guarda. É um sítio emblemático. Está ser feito um programa de escavações arqueológicas com a Faculdade de Letras. Este ano vamos voltar a escavar lá. Já encontramos lá três casas castrejas e objectos muito interessantes. É mais um sítio arqueológico em que a Câmara têm investido, em que o Gabinete de Arqueologia tem investido. Vamos var se também o podemos revitalizar e tornar visitável.
A GUARDA: Qual a previsão para a conclusão das obras no castelo de Alfaiates?
Marcos Osório: É complicado estar a dizer uma data porque há sempre os imprevistos de última hora da obra. Mas eu penso que há expectativas de que até ao final do verão as coisas estejam concluídas e que se torne visitável. O ideal era que ainda fosse possível este Verão, mas não quero dar datas. Já anteriormente houve problemas que atrasaram porque, como se pode imaginar, não é uma intervenção fácil. Não imaginam as decisões que por vezes temos de tomar sobre uma pedra, uma só. Sé aquela, se não é aquela, se está bem posta, se não está bem posta. Mas para que fique tudo bem é melhor fazer devagar e bem do que estar a fazer à pressa. Portanto vamos considerar que até ao final deste ano estará pronto.
A GUARDA: O que destaca na realização das obras que estão a decorrer no castelo de Alfaiates?
Marcos Osório: Uma das coisas interessantes foi que pusemos à vista o terraço da torre Noroeste do castelo que estava cheio de terra e ervas. Não sabíamos que estava preservado o telhado com três águas, para escorrer a água com gárgulas para a água escorrer para fora, feito de laje de granito. Ou seja, a torre tinha uma cobertura e uma abóbada, coisa que já não acontece com a torre de menagem, que tinha duas abóbadas mas que que explodiram algures entre o século XVIII/XIX e por isso o castelo estava muito danificado, as duas torres. A torre Noroeste tinha o terraço ainda preservado e agora vai passar a estar visível mas não visitável, porque não tem acesso.
Outra coisa interessante foi que descobrimos nessa abóbada e nas abóbadas do castelo, da torre de menagem, uma marcada de canteiro. Este castelo não tinha marcas de canteiro, mas nas abóbadas tinha. E as abóbadas têm a mesma marca de canteiro, as duas, um ‘F’ a letra ‘F’. Esta letra ‘F’ das abóbadas é exactamente igual a uma letra ‘F’ que está num cunhal da Torre de Menagem, com a assinatura de ‘Fernão’? Então agora parece que as coisas se tornam evidentes. Eu já publiquei na Sabucale este ‘Fernão’. Parece evidente que temos aqui o nome do mestre canteiro que fez os arcos, as abóbadas, só as abóbadas, que se responsabilizou pelas abóbadas porque pôs em todas o ‘F’ de Fernão.
A GUARDA: E São Cornélio?
Marcos Osório: O São Cornélio é um povoado da Idade do Ferro. É um dos povoados mais importantes deste período por um facto principal que já se sabia: é o único povoado que tem duas linhas de muralha, ou seja, não construíram só uma muralha como outros povoados, como o Sabugal Velho, construíram duas. E criaram dois patamares: um patamar inferior e um patamar superior. É nesse patamar superior mais interno, como que uma acrópole, onde começámos a escavar, e encontrámos já dois edifícios circulares de seis metros de diâmetro. Não temos encontrado muito espólio, o que dá a entender que ou as casas tiveram funções em que não havia depósito de materiais ou foi levado. Mas encontrámos lareiras, pisos, buracos de poste e numa delas chegámos a encontrar um vaso inteiro que está a ser, neste momento, restaurado no laboratório de Santa a Clara-a-Velha por técnicos da DGPC (Direcção Geral do Património Cultural), e que vai ser uma peça fantástica de museu, porque raramente nós temos a possibilidade de numas escavações arqueológicas de encontrar um vaso inteiro, no sítio onde ficou há três mil anos. Só por aí já é uma grande descoberta no povoado de São Cornélio. Para o ano vamos continuar os trabalhos. Vamos tentar alargar para uma quarta casa, porque temos indícios de haver mais casas.