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Mulheres lavavam a roupa das famílias da cidade da Guarda – Alfarazes já foi terra de lavadeiras

Alfarazes foi, no século passado, terra de mulheres lavadeiras, que lavavam a roupa de estudantes e de famílias da cidade da Guarda.

Com o aparecimento das máquinas de lavar roupa a tradição caiu em desuso e hoje já só faz parte das memórias das lavadeiras mais antigas, como é o caso de Maria Irene de Melo, de 91 anos. “Às vezes juntávamo-nos 15 a 20 mulheres a lavar a roupa no Ribeiro. Ainda estão algumas vivas, mas já poucas. Os homens iam para a Guarda a ganhar a côdea e nós, as mulheres, lavávamos a roupa e tratávamos da terra”, lembrou a mulher nonagenária, natural da Ramalhosa, Faia, e a residir em Alfarazes desde os 20 anos.
Maria Irene de Melo contou ao Jornal A Guarda que foi da aldeia da Ramalhosa, no Vale do Mondego, para Alfarazes, “por um mês, para tomar conta de uma senhora que estava doente”. “Vim e nunca mais daqui saí. Aqui casei e aqui fiquei”. “Ainda fui lavadeira durante algum tempo. Nessa altura todas as mulheres lavavam. Governavam-se a lavar a roupa das famílias mais ricas da Guarda”.
A antiga lavadeira contou que antes da construção do tanque público, há cerca de 30 anos, a roupa era lavada no Ribeiro “onde separávamos as águas para lavar e para torcer. No tanque de cima, de água clarinha, era onde torcíamos a roupa. No de baixo, era onde era lavada”. “Naquele tempo havia muitas lavadeiras e o Ribeiro levava água durante todo o ano, nunca secava. Às veze-se juntavam-se lá umas 40 pessoas; eram as mulheres a lavar a roupa e os garotos e os homens a lavar os pés”, disse sorridente.
Maria Irene recordou que levava o almoço ao marido e ao filho, que trabalhavam na Guarda, e, no regresso, “trazia a trouxa da roupa suja debaixo do braço e, à cabeça, o caldeiro com a vianda (alimentação) para os porcos”. Só deixou de lavar roupa e de transportar a vianda para os porcos há cerca de 20 anos, após um dia um homem a ter abordado na rua e lhe ter dito que “ia muito suja”. “Fiquei envergonhada. Nunca mais lavei roupa nem recolhi a vianda. Quando deixei de lavar ainda tinha muitos clientes”, disse. “Tenho saudades desse tempo. As minhas senhoras eram muito boas. Eram boa gente. Numa altura andei também a lavar roupa para 7 estudantes. Naquele tempo davam-me 50 escudos por mês. Era dinheiro. Ainda lavei muita trouxa. Por fim já estava farta de lavar, já estava velha e passei a tratar do meu renovo”.
Segundo a mulher, a vida de lavadeira era dura: “No tempo do Ribeiro tínhamos umas tacoilas, uma espécie de banco, para nos ajoelharmos. Nos tanques estávamos de pé. No Inverno lavávamos a roupa na água gelada. Assim tenho agora as mãos cheias de artroses. Era uma vida muito difícil e eu trabalhei muito, criei 3 filhos e uma sobrinha”. A antiga lavadeira referiu que a roupa era lavada com “sabão do comprado”. “Eu também o sabia fazer. O que fazia até era melhor do que o comprado porque era macio e deixava a roupa alva como a neve”. A roupa, depois de lavada no Ribeiro ou no tanque público de Alfarazes, ficava a corar “e daí por um bocado, quando ficava branquinha, era torcida e ficava a secar nos fios. Depois apanhava-se, dobrava-se muito bem dobradinha e depois ia levá-la à dona e recebia o dinheiro”. Quando a roupa estava mais suja, “que não se podia tratar de outra maneira”, era sujeita às “barrelas com cinza e água a ferver”.
A antiga lavadeira gostava de lavar a roupa no Ribeiro e tem pena que a tradição tivesse desaparecido com o aparecimento das máquinas de lavar roupa. “Quando lavávamos falávamos da vida dos outros, que a nossa estava dita, e eu cantava muito. Aquilo era muito alegre”, refere, com saudades, indicando que “ainda se casou muita gente à custa dos namoros no Ribeiro” de Alfarazes.

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