Este Menino Jesus parcial sempre me desiludiu.
Já fiz as pazes com ele há muito tempo, mas na minha meninice, confesso que me zanguei algumas vezes.
Sempre me disseram que o Menino Jesus era um ser bom, justo, doce, amável ou não fosse ele, também, uma criança! E não era uma criança qualquer! Era um ser especial, lindo, de formas físicas excecionais, de uma simpatia capaz de conquistar os mais distraídos e cansados da vida. Enfim, o MENINO JESUS era um ser giro por dentro e por fora, de uma simpatia inexcedível. Nisso sempre concordei e levá-lo para casa era uma tentação. A minha simpatia por este ser bom mantém-se até hoje, por isso encontram-se alguns exemplares espalhados pela minha casa, achando sempre que falta mais um em qualquer lugar recôndito.
A sua beleza parece transbordar para além da imagem diminuta e colar-se ao espaço onde se encontra ou até à minha pele. Olhar para ele é pacificar medos, exorcizar fantasmas ou levar para longe o lobo mau que espreita em qualquer esquina da existência humana! Gosto, sinceramente, dele e dialogar com ele continua a ser muto bom! É um antídoto para combater a lágrima ou a tristeza que, às vezes, parece querer sentar-se à mesa comigo!
Mas o MENINO JESUS PARCIAL, também, me acompanhou durante muito tempo. Sempre que chegava o dia 24 de dezembro lá ia eu e o meu irmão colocar o sapatinho junto da lareira, como era solicitado pela minha mãe, para que o MENINO JESUS, durante a noite, se lembrasse de nós! E, de facto, nunca se esqueceu!
Essa noite era mal dormida a pensar naquilo que o MENINO JESUS nos podia ofertar. Confesso que sempre tinha a esperança que ele melhorasse o número de presentes, porém isso não acontecia para meu desconsolo! Nisso era muito certeiro! Connosco sempre foi muito comedido, parco nos gastos. E enquanto não conversava com os meus vizinhos também não reclamava, o pior era quando ouvia a outra criançada enumerar o que o MENINO JESUS lhe tinha ofertado. Aí era um rol de ciúmes, porque a lista dos produtos era muito mais dilatada do que a nossa. Na minha cabeça de criança não cabia um MENINO JESUS parcial, injusto que tratava os miúdos de forma tão diferente! Isto era contra tudo o que me ensinavam sobre este ser tão bonito! O paradoxo coabitou comigo e só se desfez quando percebi que o MENINO JESUS era a minha mãe.
Bem, confesso-vos que a desilusão foi brutal, porque este ser belo nunca descera pela chaminé. Afinal, não era o MENINO JESUS que se lembrava de nós, mas, sim, a minha mãe. Não queria já saber do MENINO JESUS injusto, só queria que ele se continuasse a lembrar de nós e isso não ia voltar a acontecer.
A injusta, agora, era a minha mãe? Não, claro que não. Na verdade, ela dava-nos tudo quanto nos fazia falta e, eventualmente, um pouco mais. A minha mãe nunca esperou pelo Natal para nos presentear. Os presentes surgiam sempre que ela achasse que era o momento de receber uns sapatos novos, uma camisola nova, um casaco novo. Falo da minha mãe, porque estas tarefas eram da sua responsabilidade. O meu pai nunca se intrometeu nas suas decisões. Outros tempos, talvez!
Mãe, Pai, OBRIGADA, por nos terem dado o essencial e, tantas vezes, o supérfluo. OBRIGADA, Mãe, Pai, por nos terem dado tanto e não estou apenas a falar do lado económico, mas, sim, dos valores e, especialmente, dos afetos.
MENINO JESUS, obrigada por tudo o que me tens dado de bom ou de menos bom. Já percebi: o caminho faz-se a rasgar montanhas ou a percorrer planícies; a rir ou a chorar; a abrir ou a fechar portas!
Um FELIZ NATAL para todos com um MENINO JESUS à vossa medida.
Emília Barbeira