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“Gostava que os guardenses e castanheirenses se revissem em algumas das personagens que criei, seja pela adesão, seja pela rejeição”

Entrevista: Joaquim Martins Igreja – autor do livro “Contos da Flor e do Fruto”

Joaquim Martins Igreja, autor do livro “Contos da Flor e do Fruto”, que será apresentado no dia 18 de Maio, na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço, na Guarda, nasceu na Castanheira (Guarda), em 1958. Estudou na Escola Primária da Castanheira (1964-68), Seminários do Fundão e da Guarda (1968-74), Colégio de São José (1975), Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (1976-1981). É Professor do Ensino Secundário desde 1979, actualmente na Escola Secundária Afonso de Albuquerque (Guarda).
Gosta de ler livros (acabou de ler “No Seminário Maior” de Joaquim Tenreira Martins), ler jornais, escrever, ir ao teatro, ouvir música, viajar, ver séries policiais (anda a ver a série “Vera” na Fox Crime).

A GUARDA: “Contos da Flor e do Fruto” é a sua primeira experiência de ficção através da Âncora Editora. Com que objectivo escreveu este livro e o que levou a escolher esta editora?

Joaquim Igreja: Os livros nem sempre têm um objectivo claro, mas têm uma circunstância. Com muita experiência no jornalismo escolar e como colaborador da imprensa regional, fui adquirindo algumas competências de escrita. Não me falta experiência de leitura, nas mais variadas formas, ao longo destes anos de vida e profissão, base mínima para escrever razoavelmente. E de repente, no auge da pandemia, fechado em casa, perguntei-me: porque não experimentar escrever pequenas narrativas? E assim foi. Depois tratava-se de olhar à volta, escolher temas para mim familiares e injectar emoção e capacidade de surpreender, escolhendo um público. Dito assim, parece que estamos a encher um balão… Mas as ideias amadurecem pouco a pouco. E ao cabo de um ano e tal já tinha páginas suficientes para um livro.
Quanto à editora, a Âncora tem editado muitos autores da Guarda e mesmo ligados à escola onde trabalho e, deste modo, enviei a proposta, que foi aceite.

A GUARDA: Quais os assuntos que aborda ao longo das páginas do livro?

Joaquim Igreja: Trata-se de 33 historietas, cada uma entre 6 e 10 páginas, que retractam ou dão a volta a personagens com que já “me cruzei” na vida da minha cidade, da minha aldeia e da região envolvente. Tratam sobretudo de conflitos entre pessoas, entre instituições, entre fases da vida, entre pedaços de nós. Às vezes a recordação de uma viagem, um gesto que me atordoou, um espaço que me surpreendeu, um erro que cometi, deram-me ideias que depois explorei. Olhando o que me rodeia, vejo-me a mim próprio e, vendo-me no rio que corre, imagino o que deu origem àquela imagem que treme na minha frente. E escrevemos mesmo sobre aquilo que não nos agrada.

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A GUARDA: Podemos dizer que esta obra tem uma forte ligação à sua aldeia, a Castanheira e à sua cidade, a Guarda?

Joaquim Igreja: Os ambientes em que decorrem as histórias situam-se na maioria na Guarda e aldeias vizinhas. A Guarda aparece referida com este nome ou como a “cidade”. Quanto à minha aldeia, talvez por respeito, acabei por nunca referir o nome “Castanheira” nas histórias, mas várias das aldeias que ali aparecem são réplicas da minha Castanheira e das recordações que aquelas casas, ruas e pessoas me trazem. Por outro lado, gostava que os guardenses e castanheirenses se revissem em algumas das personagens que criei, seja pela adesão, seja pela rejeição. Estas pessoas que inventei vivem aqui, diria que me cruzo com pedaços delas todos os dias.
A GUARDA: Também é um livro de memórias?
Joaquim Igreja: Não considero que a minha vida tenha lastro suficiente para fazer memórias, se considerarmos que as memórias exigem “algo” de muito significativo a revelar ou a entregar aos concidadãos ou à humanidade. Mas confesso que me revejo, nas qualidades e nos defeitos, em várias das personagens que criei, sem ser necessariamente a cópia delas. Quando se escreve ficção, parece que nos estamos a ver a um espelho e, queiramos ou não, ficamos lá chapados. Mas os leitores terão que ler os textos com óculos de ver ao longe.

A GUARDA: Quando e onde vai apresentar o livro “Contos da Flor e do Fruto”?

Joaquim Igreja: A apresentação será na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço no dia 18 de Maio, pelas 18.00 horas. Farei posteriormente outras pequenas apresentações em escolas ou bibliotecas, se a ocasião aparecer. O livro estará depois disponível nas livrarias locais, nas plataformas online e pelo contacto pessoal.

A GUARDA: Como olha para a Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço?

Joaquim Igreja: Parece-me ser uma estrutura com grandes potencialidades na dinâmica cultural e que tem desenvolvido muitas actividades de mérito, suscitando o interesse do público em geral e de vários públicos, por exemplo o escolar. Nesta área, tenho tido, como professor bibliotecário numa escola, uma colaboração muito próxima com a Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço. Creio que faz falta na Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço uma liderança mais personalizada e uma acção mais dinamizadora dos públicos, puxando por eles, chamando nomeadamente os estudantes do ensino superior da Guarda (muito ausentes) e ligando a actividade da Biblioteca Municipal Eduardo Lourenço às associações culturais (explorando a sua capacidade de mobilização), dando e recebendo. Algumas iniciativas teriam vantagem se fossem feitas fora da Biblioteca.

A GUARDA: A escrita e a leitura fazem parte da sua vida. Quais os projectos em que esteve e está envolvido?
Joaquim Igreja: Desde 1992 desenvolvo o projecto de jornalismo escolar EXPRESSÃO, agora em forma de blogue escolar, projecto que, ao longo sobretudo dos anos da década de 90 e da década inicial do século XXI, conquistou muitos jovens para a escrita. Actualmente a minha actividade no projecto é menos de equipa. Fui participando também nas rádios e jornais locais com colunas de opinião durante muitos anos.
Na área da leitura, há 8 anos que a minha actividade de professor bibliotecário na Escola Secundária Afonso de Albuquerque tem por centro a leitura e os livros, promovendo dinâmicas para levar os jovens a ler mais e melhor e a aproveitar os recursos para a aprendizagem, seguindo as linhas da Rede de Bibliotecas Escolares e do Plano Nacional de Leitura. E a tarefa está muito difícil, dado o progressivo afastamento dos jovens (e igualmente dos adultos) da leitura seguida ou continuada e da falta de paciência deles para ler mais do que breves linhas. Creio que, com o excesso de tecnologia e a dependência dos ecrãs, se está a perder, com o desprezo dos textos e dos livros, alguma capacidade de análise, de recuo e de capacidade de elaborar o mundo porque o mundo conhece-se ou compreende-se pela linguagem. A cultura light faz o resto.
Finalmente, a leitura continua a ser para mim um hábito pessoal enraizado, quase como uma higiene diária, em que sinto necessidade de ler para parar, pensar ou emocionar-me.

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A GUARDA: Como avalia a política cultural da Câmara Municipal da Guarda?

Joaquim Igreja: A oferta cultural da Câmara é actualmente bastante diversificada e pode atingir públicos muito variados, tendo também estruturas suficientes já instaladas. Basta ver a Agenda Cultural. Neste ponto há uma política de continuidade com os anteriores executivos, de cores políticas diferentes. Falta depois alguma mobilização de diversos públicos para rentabilizar a programação e o investimento. Nos últimos anos quase só se investiu no público das escolas básicas e secundárias. É pena verem-se sessões culturais com pouquíssimas pessoas a assistir, havendo tantos quadros superiores e estudantes do ensino superior na Guarda. Há que fazer alguma coisa.
Creio ainda que falta um discurso esclarecedor da actual política cultural da Guarda e há um receio de investir na criação ou em acções que não dêem retorno imediato ou que pareçam “despesismo”. A proliferação de Festivais de Cultura Popular, com poucas novidades, pouca dinamização e inovação local, decalque de edições anteriores, acaba por não ter os resultados desejados. E verifica-se também a tendência de subsidiar associações sem fazer desafios ou sem as ajudar no sentido de evoluírem na sua intervenção no terreno. A área da edição e do apoio à edição também exigiria mais intervenção e iniciativa e a ligação da cultura ao turismo continua a ser há muitos anos uma batalha por ganhar.

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