Entrevista: Daniel António Neto Rocha – Presidente da Direcção da Associação Cultural Sou Só
Daniel António Neto Rocha, Presidente da Direcção da Associação Cultural Sou Só, é natural de Famalicão da Serra, Guarda. Terminou há algumas semanas o Mestrado em Teatro na Universidade de Évora, fez um Curso de especialização em Português como Língua Estrangeira e Língua Segunda na Universidade de Coimbra e a Licenciatura em estudos Portugueses também na Universidade de Coimbra. Antes disso tinha estudado na Escola Secundária Afonso de Albuquerque, na Telescola e na Escola Primária em Famalicão da Serra.
Nos tempos livres gosta de ler, de correr e de respirar no silêncio dos campos.
A GUARDA: Como e com que objectivos nasceu a Associação Cultural Sou Só?
Daniel Rocha: A Associação Cultural Sou Só nasceu com o grande objectivo de voltar a ter cultura que ajude ao crescimento integral de quem assiste ou participa nas nossas actividades. Ao longo do tempo, e principalmente nos últimos dez anos, houve uma imensa degradação daquilo que é trabalhar para a melhoria dos índices culturais dos cidadãos. E nós queremos agir no nosso território, com os pés no nosso território e só indo a outras regiões se for para transportarmos aquilo que foi produzido e teve origem o nosso território. Não queremos, e desculpem os grandes aficionados dos programas de televisão, que os nossos palcos sejam apenas uma extensão daquilo que já viram na televisão. Daí que, se o nosso objectivo de “habitar” a Casa da Cultura de Famalicão da Serra merecer uma resposta positiva da parte da Junta de Freguesia (algo que ainda não temos, estranhamente), iremos transformar Famalicão numa alternativa cultural, espero-o, que sirva de exemplo a outras zonas do país. Claro que os nossos objectivos só serão atingidos se houver quem lhes abra a porta e não os impeça de prosseguir o seu caminho.
A GUARDA: Quem foram os grandes mentores desta nova Associação?
Daniel Rocha: Os mentores, se lhe quisermos chamar assim, são todos aqueles que participaram na construção e montagem da peça EU! KRAPP…, seja através do empenho e vontade em fazer algo diferente e com origem na Guarda, seja através da amizade e palavras de incentivo que sempre tiveram para que a peça fosse um sucesso. Ao nível dos nomes podemos falar no Daniel Rocha, no António Freixo, na Sara Esteves, no Filipe Barbosa, na Marta Esteves, na Filipa Teixeira, no Arménio Bernardo, no Hugo Rocha, no Eduardo Martins, no Paulo Alves Pereira e num imenso conjunto de pessoas (familiares e amigos) que ainda vão ter muito para mostrar. Guardem esta ideia: esta Associação não é apenas artística e vai ter muito para revelar nos próximos anos.
A GUARDA: Quem é que pode fazer parte desta Associação?
Daniel Rocha: Da Associação Cultural Sou Só podem fazer parte todos aqueles que tiverem algo para dar aos outros, ou seja, quem quiser trabalhar connosco terá de ter presente que irá ajudar e não apenas assistir. Não somos uma Associação que queira ter muitos sócios sem acção. Ainda iremos trabalhar no nosso Regulamento Interno a questão do tipo de associados que temos e teremos. Se a nossa Associação está ao serviço da comunidade que nos envolve, faz todo o sentido que os beneficiários da nossa acção possam, a determinado momento, querer fazer mais. Ficaremos, aliás, extremamente felizes se os nossos objectivos e intenções forem bem assimilados e derem origem a uma vontade em fazer mais pela comunidade.
A GUARDA: Num concelho onde já existem tantas associações o que é que a Associação Cultural Sou Só apresenta de novidade?
Daniel Rocha: Penso que o problema do excesso de Associações só é colocado por quem sente que já não tem o poder de controlar tudo o que acontece. Por isso, respondo de forma diferente: há poucas Associações no nosso concelho, pois a maior parte delas está dominado por um conjunto de interesses individuais que não deixam que a participação seja séria e proveitosa para a comunidade que, supostamente, decidiram servir. Mas, indo ao encontro da pergunta que é feita, nós trazemos como novidade o facto de no campo artístico quereremos acabar com a ideia de que as Associações do nosso concelho têm de se tornar “barrigas de aluguer” para que possam ter actividade. Nós queremos fazer com que quem vive no nosso território tenha a noção de que os seus criadores, os que por cá nasceram e que tudo fazem para por cá continuarem a viver, são tão bons ou válidos como os que vivem noutras regiões. Parece que só o que é produzido e validado pelas metrópoles é que tem valor. Nós pensamos de forma diferente e seremos sempre fiéis a essa ideia. Aqui vamos aprender, ensinar, criar, errar e voltar a fazer tudo isso de forma a melhorarmos e continuarmos a persistir. Não aceitamos que o foco cultural de uma Associação do concelho da Guarda seja o entregar-se ao papel de mostra de arte de fora. Portanto, nós trazemos como novidade o sermos de cá e querermos trabalhar com os de cá de forma a irmos depois partilhar o que produzirmos com outros noutro ponto do país ou do mundo.
A GUARDA: A Associação já tem Plano de Actividades para 2023?
Daniel Rocha: Entregámos já um Plano de Actividades à Câmara Municipal da Guarda para o ano 2023 que é ambicioso mas executável, caso haja condições para isso. Neste momento em que falamos não temos condições para o executar plenamente, mas se a Junta de Freguesia de Famalicão nos ceder aquilo de que precisamos e se a Câmara Municipal nos conseguir apoiar nos moldes do nosso pedido, pensamos que teremos condições para marcar aquilo que é a cultura na região. Vamos apostar em alguns projectos direccionados para o público infantil e juvenil, e teremos um plano de formações em várias áreas que percorrerá o ano e será, talvez, o mais interessante e completo plano de formação que o concelho da Guarda já teve ao nível das suas Associações. Para além disso, estamos e continuamos a divulgar as Aulas de Expressão Dramática que vão decorrer na Guarda e que esperamos que possam começar em Janeiro de 2023 (as informações devem ser requeridas através do endereço sousoassociacao @gmail.com).
A GUARDA: Como Presidente desta Associação de cariz cultural como olha para as vivências culturais no concelho da Guarda?
Daniel Rocha: As vivências culturais no concelho transformaram-se em coisas estranhas para mim. Sou do tempo em que o associativismo tinha como ponto de ebulição a vontade das próprias associações em definir um caminho que as representasse plenamente. Nada era imposto por agentes externos ou por entidades que não conhecessem a realidade do concelho. E falo de um tempo não muito distante, falo dos anos 90 e início deste segundo milénio. Nos últimos anos tudo isso mudou. A mudança política que aconteceu na cidade em 2013 afundou tudo o que eram os objectivos próprios das associações. A política entranhou-se no seio das associações e elas começaram a ser manipuladas de forma clara e evidente, mas não houve uma tentativa de defesa nem uma reacção. As associações limitaram-se a “sorrir e a acenar”, agradecendo a esmola e a prontificar-se para mudar a sua própria génese para não perturbar o reinado que nesse ano começava. Isso fez com que a dispersão associativa começasse a acontecer e surgiram várias associações no concelho, como perguntavam acima, mas quase todas completamente desnecessárias e que visaram apenas cumprir o necessário para agradar ao novo “status quo”. E começou a perder-se essa vivência cultural de que todos nós precisamos. Somos pessoas, no concelho, que têm um vasto conhecimento das suas raízes e do caminho que devemos percorrer para defender essas tradições, mas fomos tratados como analfabetos na nossa própria casa. Vejam a Candidatura a Capital Europeia da Cultura! Foi tudo menos uma candidatura da Guarda. Eu sempre disse que era mais uma candidatura da Covilhã do que da Guarda, mas paga pela Câmara da Guarda. Alguém que tivesse uma vivência cultural assente na Guarda poderia aceitar isso? Em suma, temos hoje uma comunidade afastada da vivência cultural. Quero acreditar que essa comunidade está à espera de uma reviravolta que crie um caminho sério e que, espero eu, volte a trazer a cidade para uma visão de cultura séria.
A GUARDA: Considera que a Guarda se está a afirmar culturalmente na região e no País?
Daniel Rocha: Pelo que fui dizendo acima, podem perceber que penso que não. A Guarda não se está a afirmar culturalmente na região e no país. Pelo que fui dizendo, perceberão que a política cultural dos últimos anos, em nome de uma evolução, nos trouxe para perto do fundo do buraco. Houve projecção para outros voos de alguns. Houve uma curiosa afirmação de programadores e directores de projectos, mas aquilo que deveria ter acontecido não aconteceu. Neste momento, estamos de novo no ponto de partida e, quero acreditar, com uma vontade enorme em apontar para uma reconstrução cultural daquilo que é a “teia” associativa do concelho e para as suas próprias dinâmicas, mas, com todos os erros caros cometidos, demorará anos para podermos dizer que a Guarda se está a afirmar culturalmente no país. Na região a Guarda é, ainda, uma luz cultural, mas que perdeu o seu brilho e que precisa, urgentemente, de pessoas que a pensem a sério e sem interesses secundários de forma a recuperar algum do tempo perdido.
“As associações têm de se voltar a encontrar,
mas vai ser difícil porque os interesses individuais é que se sobrepõem aos comunitários”