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“Existem outros locais a produzir umas ‘coisas’ a que tentam também chamar de cobertor de papa, mas quem sabe e entende do assunto percebe que nada tem de original”

Entrevista: Erico Manuel Pissarra Gomes – Presidente da Freguesia de Maçainhas-Guarda

 

Érico Manuel Pissarra Gomes é Médico Dentista e Presidente da Freguesia de Maçainhas-Guarda.
Considera os tempos livres “momentos raros” e como tal, “preciosos”. Casado e pai de três filhos gosta de dedicar tempo à família que aponta como alicerce da vida. Sempre que pode gosta de estar com a mulher e com os filhos. Aproveita esses tempos para desfrutarem uns dos outros ou para conhecer novas paragens.
Tem uma imensa necessidade de projectos novos e de ter a cérebro a 1000.

A GUARDA: Qual a sua identificação com Maçainhas e o que é que o motivou a concorrer à Junta de Freguesia, nas últimas autárquicas?

Érico Pissarra Gomes: Não sendo a terra que me viu nascer, foi esta que me acolheu quando decidi fazer por cá a minha educação escolar ao ingressar na escola primária em Maçainhas.
Sou filho de emigrantes e, bem cedo, senti o que era a descriminação existente perante os filhos de pais estrangeiros. Como tal pedi aos meus pais para ficar a estudar em Portugal. Sendo a minha mãe e avós maternos desta localidade, por inerência, para cá vim e por cá vivi até completar o 12º Ano do Liceu da Guarda, rumando de seguida até à cidade do Porto, completando nesta o meu ensino superior.
Regressei à cidade da Guarda para trabalhar, mas, mesmo morando na cidade, coloquei em Maçainhas no ensino pré-primário, os meus filhos, acabando por construir casa por cá. Porventura se não tivesse ficado por estas paragens, possivelmente não seria a pessoa que hoje sou. Como tal, sinto que tenho, de certa forma, uma dívida de gratidão para com Maçainhas, a qual me soube receber a mim e tantos outros de forma única como só a minha Freguesia sabe, levando a candidatar-me na tentativa de retribuir, a este local maravilhoso, que tanto tem para dar mas tanto necessita de receber.

A GUARDA: Um ano e meio depois de ter sido eleito, quais as principais dificuldades que tem sentido à frente da Freguesia de Maçainhas?

Érico Pissarra Gomes: Maçainhas é das Freguesias mais antigas de Portugal, sendo a maior freguesia rural, com maior número de eleitores da Guarda (não sendo união de Freguesias) é constituída por Maçainhas, Cubo, Gulifar, Prado, Chãos. Uma só Freguesia, populações com pensar e forma de estar diversa umas das outras, as quais, por vezes mantém divergências sem nexo impedindo o crescer, o fazer e o aproximar quer de pessoas quer de instituições. Mas, ano e meio volvidos sobre a minha eleição, a maior dificuldade com a qual me deparo, continua a ser, a enorme quantidade de necessidades que a população tem e a enorme dificuldade que sentimos em responder de forma positiva aos anseios legítimos e por vezes básicos que este povo apresenta. Penso que, como a maioria da outras freguesias, temos uma dependência excessiva para com o governo central e também para com a Câmara Municipal, visto estarmos 99,99% dependentes destes órgãos para laborarmos, não existindo outra fonte de verbas. Na minha opinião seria fulcral existir um gabinete de apoio dedicado a tempo inteiro às Freguesia, informando estas e orientando-as tanto em candidaturas, fundos e programas, os quais as ajudariam a progredir.
A GUARDA: E o que é que tem sido mais gratificante?

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Érico Pissarra Gomes: O mais gratificante é com o escasso que temos fazer o máximo possível e semeando para mais tarde colher, porque nem sempre se vê de imediato o resultado do nosso trabalho.
Penso que neste aspecto tenho realizado, eu e a minha equipa, um trabalho fantástico deixando um trilho bem mais fácil e produtivo para os anos vindouros.
É fundamental, no final de cada dia, estar de consciência tranquila com a firme certeza de objectivo cumprido e de que se deu o nosso melhor em prol da Freguesia que representamos.

A GUARDA: Numa freguesia de tradição têxtil o que resta deste património que marcou a vida de tantas gerações?

Érico Pissarra Gomes: Como é do conhecimento geral, a Freguesia de Maçainhas teve, na nossa região, um enorme peso, no que se refere à indústria têxtil. Infelizmente, como em grande parte do território nacional, o sector entrou em colapso e com ele “fugiram” as pessoas, levando a diminuição da densidade demográfica das nossas aldeias.
No entanto por “birra” ou “carolice” em Maçainhas têm surgido movimentos de pessoas que tentam manter e reinventar o nosso ex libris, o famoso cobertor de papa. Tenho esperança que tal devoção ainda nos dê bons frutos.

A GUARDA: O cobertor de papa tem sido uma marca muito falada e pouco defendida e promovida. Qual tem sido o papel da Junta de Freguesia no processo de manutenção, valorização e promoção do cobertor de papa?

Érico Pissarra Gomes: O cobertor de papa tem uma importância incontornável no que se refere ao panorama local, como tal, a obrigação da Freguesia deve ser defender com unhas e dentes este produto único. A verdade é que todo o processo ao redor do cobertor de papa não tem sido o mais fácil de conduzir, quer por quem produz, quer pela junta, quer pelo município. Acho que chegou o momento de todos os intervenientes se sentarem, definirem de uma vez por todas, o que realmente pretendem deste património, deixarem-se de indefinições e de birras sobre uma matéria tão séria e importante (cobertor de papa), que na minha opinião deve ser património nacional e mundial.
A GUARDA: A entrega de um cobertor de papa ao Papa Francisco, em Novembro de 2018, pela Câmara Municipal da Guarda, teve algum impacto na defesa deste artigo tão genuíno de Maçainhas?

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Érico Pissarra Gomes: Teve como ponto fundamental a divulgação a nível mundial do mesmo. Encheu-nos de orgulho saber que um produto local, totalmente produzido em Maçainhas, pela Escola de Artes e Ofícios, com acabamento na fábrica do Sr. Freire, foi entregue ao Santo Padre e o mesmo se encontra exposto no museu do Vaticano. Mas é interessante quando se refere a “este artigo tão genuíno de Maçainhas”, isto porque na realidade existem outros locais a produzir umas “coisas” a que tentam também chamar de cobertor de papa, mas quem sabe e entende do assunto percebe que nada tem de original. O único e verdadeiro cobertor de papa é actualmente produzido em Maçainhas por uma associação local (Genuíno Cobertor de Papa) e nada tem de semelhante com essas “coisas”. Se bebermos vinho do Dão sentados numa casa localizada na região demarcada do Douro, não faz deste vinho, um vinho do Porto. Sem querer desprestigiar o vinho do Dão, no entanto cada um bebe e come o que quer.

A GUARDA: E as campainhas de bronze desapareceram definitivamente ou há possibilidade de voltarem a ser fabricadas?

Érico Pissarra Gomes: Sou optimista por natureza, mas infelizmente em relação às campainhas de bronze não tenho grandes expectativas. Sendo estas também uma referência de Maçainhas, o ultimo artesão, o meu bom, grande amigo e ancião Antonio Bernardo da Fonseca, deixou há algum tempo de fabricar as mesmas.
Não deixou sucessor na arte, não por falta de vontade deste, mas por falte de aprendizes interessados em dar continuidade e perpetuar esta arte. No entanto foi-me prometido que um dia destes eu e os meus filhos ainda veríamos a forja a trabalhar.

A GUARDA: A Barragem do Caldeirão parece um gigante adormecido com enorme potencial por aproveitar. Há algum envolvimento da Freguesia de Maçainhas no plano de ordenamento da albufeira?

Érico Pissarra Gomes: A Barragem do Caldeirão, é uma das maiores obras estruturantes da nossa região, quer pela riqueza inegável da água, quer pela produção de energia limpa, ou ainda pelo aspecto estético deslumbrante que esta cria na paisagem. Na minha opinião até à data existe um subaproveitamento desta mancha de água, no que se refere ao turismo, desporto e lazer. Penso que a construção dos passadiços do Mondego, potenciarão a reversão desta situação, nunca esquecendo a premissa de proteger a questão ambiental, pois todas as actividades ali desenvolvidas deverão ser uma mais-valia educacional, lúdica e de prazer visual e mental para quem frequentar aquela área.
Maçainhas tudo fará para ajudar a desenvolver este potencial adormecido, conjuntamente com todas as entidades envolvidas.

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