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Viver no Interior

Por aqui nasci, por aqui me criei e por aqui passarei o outono da vida,

se tudo correr consoante as minhas previsões. Muito embora me considere beirão e ribeirinho, isto por ter nascido bem junto ao Mondego no local onde ele se chega mais a norte, que é entre as freguesias de Ratoeira e Baraçal, no concelho de Celorico da Beira. O meu nascimento aconteceu na margem esquerda. De entre todas as casas habitáveis que na ocasião havia era a que se situava mais a norte da referida margem. Hoje, onde moro e onde cresci, numa distância retilínea, poderei dizer que não serão mais que dois quilómetros, mas sempre naquele pequeno espaço único do território nacional, que tem a estrada nacional nº 16 a sul e o Mondego a norte. Estou a falar da faixa de terreno entre a ponte do Porto da Carne e a ponte de Juncais.
Embora me encontre nas minhas origens, nem sempre por aqui estive, como tantos outros da minha geração e não só, tive que correr mundo para o que então se dizia, que era ganhar a vida. Posso afirmar sem receio de engano, que saí de casa com dezoito anos e que durante os trinta e quatro que se lhe seguiram, na minha terra como fruto do meu trabalho, no meu bolso, nunca entrou um tostão.
Depois deste prólogo, provavelmente extenso e maçador, passemos ao mais importante, que é o viver neste Portugal mais elevado, a que tantos, não sei porquê, chamam profundo, e que com toda a razoabilidade recebe a designação de interior.
Há quem evoque na sua filosofia que viver no interior é uma virtude. Falam dos ares, das águas, da vida barata, da acalmia, do silêncio, da vida barata e até da vida mais saudável. Só que, quem apregoa estas virtudes provincianas, não esclarece o principal – as causas de um abandono secular do interior para o litoral.
As evidências saltam aos olhos. Desde sempre vivemos em terrenos menos férteis, mais rochosos e com um emparcelamento muito mais difícil de amanhar. O clima abaixo das melhores parcelas do país, dá-nos produções muito serôdias, que embora primando pela qualidade ficam muito distantes, em preço, dos produtos que apareceram mais temporãos.
Relativamente à mobilidade vamos de mal a pior. Os transportes públicos estão a desaparecer, o que leva a que um curto frete que tenha de se pagar, saia mais caro umas poucas de vezes que o passe social que abrange as coroas mais populosas do país em que vivemos.
No que concerne ao ensino, os nossos alunos, do interior, claro, raramente atingem uma classificação que os distinga a nível nacional, mas o que não é menos verdade, é que este resultado apenas é uma consequência da falta de estruturas e meios humanos, pois uma vez eles chegados a ombrear com os restantes, os nossos não se deixam ficar para trás.
Para o final deixei a saúde. A percentagem de médicos por aqui é muito baixa comparativamente com a população, que por sua vez é composta por uma faixa etária muito mais elevada, muito mais carente de acompanhamento clínico e de medicação. Para avaliar as nossas necessidades médicas, basta estar às primeiras horas da manhã, junto da A 25, a que chamam autoestrada por engano, e contar a quantidade de ambulâncias de serviço a doentes que em marcha apressada se encaminha para o litoral. O que estou a dizer não passa de uma amostra, pois a maioria segue pelos seus próprios meios, em viatura própria, de autocarro e mesmo de comboio. Serve isto para alertar todos aqueles reformados que por cá querem ficar o tempo que lhes resta de vida. Este contratempo por vezes aparece e faz com que muitos voltem à primeira forma para obterem os acessos aos tratamentos com maior facilidade. Esta particularidade, passa-se mesmo com emigrantes, em que muitos já se desfizeram dos bens que noutro tempo aqui granjearam, para voltarem aos países de acolhimento.

Ler também:  Carta Pastoral

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