Há um caminho a ser percorrido pela Igreja para se purificar,
para se libertar deste pecado horrendo duramente censurado, de forma bem explícita, pelo próprio Jesus Cristo (Lucas 17, 1-6):
Naquele tempo: Disse, depois, aos discípulos: “É inevitável que haja escândalos; mas ai daquele que os causa! Melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar, do que escandalizar um só destes pequeninos.” (cf. também Mt 18, 6).
Tudo indica que há uma forte determinação por parte dos Bispos em agir, pois os sacerdotes que comprovadamente traíram estes pequeninos que lhes haviam sido confiados serão seguramente destituídos do seu múnus, reduzidos ao estado laical e entregues imediatamente à justiça. Não se trata de os pôr fora da Igreja, como há ouvi. Só a excomunhão coloca alguém fora da comunhão universal da Igreja.
Fora isso, ninguém é posto fora da Igreja. O pai ou professor condenado por pedofilia, por exemplo, não é colocado fora da sociedade, não perde os seus direitos civis, não perde a nacionalidade. Da mesma forma, ninguém pode pôr, seja quem for, fora da Igreja.
Só tenho um desejo. Oxalá os responsáveis possam agir e possam realizar a limpeza profunda destes crimes que nos chocaram a todos. Esta catarse deixará a Igreja mais limpa, mais reorientada para objectivos mais puros, mais conformes com o espírito do Evangelho e dignificará e tornará mais perfeitos os clérigos inocentes, que sei que são, graças a Deus, a grande maioria.
Todavia, a Igreja, decepcionem-se os que se alegram com este momento, não terminará, pois tem promessas de eternidade por quem o pode prometer “ tu és Pedro e sobre ti edificarei a minha Igreja e as forças do mal não prevalecerão contra ela”.
Quanto ao resto, identifico-me com o artigo de Maria João Avillez, no Observador, que subscrevo parcialmente:
“A Igreja foi a primeira instituição social portuguesa a ter esta iniciativa. Saudemos isso. A nomear uma comissão, dar toda a liberdade de escolha de formação de uma equipa – e do resto – ao seu presidente Pedro Strech; disponibilizar-lhe os arquivos – gesto raríssimo entre nós – e financiá-la.
Insiste-se muito no “tarde e a más horas” da intervenção da Igreja. Não julgo que a diferença de quatro, cinco anos minorasse significativamente o flagelo e o desastre, antes lamento o círculo (ainda) por vezes semifechado onde a Igreja (ainda) se move, aconchegada entre paredes algumas opacas e os seus altos dignatários. Mais dentro que “em saída” como tanto pede Francisco, o Papa.
Reconhecendo tudo isso, trabalho há anos com a Igreja – em Lisboa e em Óbidos –, colaboro por vezes com a própria hierarquia nalgumas iniciativas. Nunca porém precisei de ser anticlerical e mesmo quando discordo e me preocupo, não quero vingar nada. Sabendo, reconhecendo, lamentando tantas e tantas marés baixas – algumas negras, como bem sabemos – a Igreja aí está e aqui continua, dois mil anos depois. Nunca desistirei dela. O que me deixa perplexa é que o desejo de vingança contra a instituição tenha por aí tanto êxito e que o insulto à sua hierarquia esteja diariamente emoldurado em glória. E ambos – vingança e insulto”.