D. Filipe IV de Espanha e III de Portugal: o fim do domínio castelhano (I)
D. Filipe IV de Espanha foi o vigésimo rei de Portugal, e o terceiro e último a ocupar o trono português durante o domínio filipino, desde o dia 31 de março de 1612. Nasceu a 8 de abril de 1605, em Valladolid, e faleceu a 17 de setembro de 1665, em Madrid. Era filho de Filipe III e de D. Margarida de Áustria. O seu filho e herdeiro, príncipe Carlos, haveria de herdar o trono com o título de Carlos II de Espanha mas já não reinou em Portugal pois seria restaurada a independência do nosso reino, no seguimento da Restauração de 1640.
O novo rei entregou de imediato o governo ao conde duque de Olivares, que se manteve no poder durante um quarto de século, governando muitas vezes de modo independente do monarca.
De seu nome completo Gaspar de Guzmán y Pimentel Ribera Velasco e Tovar, o conde duque de Olivares procurou fazer grandes reformas ao mesmo tempo que atacou as principais figuras do reinado anterior, recorrendo a exílios forçados, prisões ou eliminações físicas.
Detinha grande poder (era camareiro-mor do reino, grande escudeiro e chanceler das Índias), fez grande fortuna pessoal e familiar e encheu de fausto a corte espanhola, à custa de enormes sacrifícios do povo. Tinha como objetivo político unificar os reinos ibéricos e dotá-los de instrumentos económicos que favorecessem a indústria e o comércio, mas a mentalidade aristocrática, que não aceitava os princípios mercantis, dificultou imenso esta tentativa.
Contudo, a política de fortalecimento do poder central que levou a cabo, em detrimento da autonomia das várias regiões que compunham a Espanha da época, levou à revolta da Catalunha, Andaluzia e de Portugal. No caso do nosso país, resultou na restauração da independência, em 1640, ainda que, para obviar a questão, D. Filipe IV tenha colocado a duquesa de Mântua a governar Portugal, secretariada por Miguel de Vasconcelos.
A Espanha foi confrontada ainda com o crescente poderio económico, militar e político da Holanda, perdendo a hegemonia que detinha na Europa. Por este motivo, Portugal perdeu algumas possessões no Brasil: a Baía em 1624 e Pernambuco em 1630.
O reinado de Filipe IV em Portugal ficou marcado por graves convulsões sociais, conforme se constata neste documento, escrito em Lisboa, em 1622:
«No mês de Maio se viu esta cidade, e quase todo o reino, em tanta falta de trigo, sem poder vir nenhum de fora, que se chegou a ver o mais temeroso espetáculo de fome que nunca se viu nem ouviu, nem se recordava nenhum velho de outro assim. Andavam os homens, velhos e meninos, gritando pelas ruas por um bocado de pão, porque se não podia achar por nenhum dinheiro nem trigo nem centeio nem milho nem cevada. Estando no Terreiro do Trigo alguns alqueires para se repartirem, foram todas as justiças da cidade guardar as portas, mas juntou-se ali tamanha multidão da cidade e do termo e as justiças davam grandes pancadas nas gentes que à força queriam entrar. Até deram num frade franciscano e num capucho, de maneira que os derrubaram, e uma mulher ficou esmagada no tumulto da gente, e outra deitou a criança de que ia prenha, e outras saíam quase mortas, esguedelhadas, com os mantos esfarrapados, e ninguém se ocupava senão em andar buscando pão ou remédio para onde o achariam. Se em algum forno se cozia algum pão, eram logo mil almas no forno, e então vinha a justiça reparti-lo por aquelas pessoas para que podia chegar. Cada pão, que dantes era a dez réis, custava cinco vinténs, e muito mais dariam por ele. Se achava algum pão de trigo custava cinco tostões, de centeio onze vinténs e de milho o mesmo. No fim do mês entraram pela barra muitos navios carregados de farinha, de maneira que logo houve pelas portas tabuleiros de pão a vender.»