O Jornal “A Guarda” celebra 120 anos de existência. O Concílio Vaticano II, ao falar nos meios de comunicação social, afirma que as publicações genuinamente católicas devem criar-se e difundir-se para imbuir de espírito autenticamente cristão os leitores e tenham a intenção de formar, fortalecer e promover uma opinião pública conforme ao direito natural e à doutrina e orientação católica e que divulguem e expliquem devidamente os acontecimentos que se referem à vida da Igreja.
Estas palavras refletem, embora sendo muito posteriores, o espírito com que o Jornal “A Guarda” foi fundado pelo bispo D. Manuel Vieira de Matos, em 1904, que tinha sido nomeado bispo da Guarda no ano anterior. D. Manuel, enquanto arcebispo de Mitilene e auxiliar do Patriarcado de Lisboa (1899-1903), da Guarda (1903-1914) e de Braga (1914-1932), teve sempre como objetivos do seu episcopado a formação dos sacerdotes, a promoção da catequese e a formação laical, na qual a imprensa cristã tem um papel de relevo.
O Jornal “A Guarda” nasce desta preocupação de dar espírito cristão à vida das paróquias, da formação dos leigos e dos sacerdotes através da imprensa escrita. O seu trabalho nos onze anos em que foi bispo da Guarda foi imenso. Nos primeiros sete anos até à implantação da República, em 1910, visitou e organizou a Diocese e podemos afirmar que ao longo de todo o século vinte ele esteve presente através dos colaboradores que deram o tom à diocese da Guarda. O período que vai da implantação da República e a sua ida para Braga foi de uma intensa perseguição por parte dos poderes políticos à sua ação e pessoa, através dos vários desterros que foi obrigado. Aquando da sua morte, o jornal por ele fundado afirmava o seguinte: «O campo, onde, porém, a figura do grande lutador se ergueu a toda a altura da sua grandeza, foi a Guarda. A ação pastoral desenrolada na nossa diocese, as lutas homéricas sustentadas com as exigências brutais do poder civil e com as perseguições da demagogia local conseguiram uma personalidade inconfundível, que marcam nos anais do tempo, como uma figura lendária. O programa traçado à sua ação pastoral no famoso discurso pronunciado na Sé, no dia da sua chegada à Guarda, incluía três obras primaciais, a catequese, os seminários, o operariado. […] A proclamação do novo regime veio facilitar os manejos dos adversários do Prelado. Mas mesmo assim eles não o venceram. […] Foi então que a valorosa figura do senhor D. Manuel Vieira de Matos se afirmou em toda a sua magnificência, em todo o esplendor da sua alma. Preso e exilado, não cedeu um passo ao inimigo…».
Hoje, a imprensa escrita, quer seja de inspiração cristã ou não, tem necessidade de se adaptar e recriar devido às imensas possibilidades que os novos meios tecnológicos vieram trazer à nossa vida e à forma de nos comunicarmos. As novas plataformas digitais, a internet… desafiam-nos a sermos capazes de comunicar o Evangelho nestes areópagos modernos. Daqui nascem alguns desafios: continua válido o mandato de Jesus dado aos seus apóstolos antes da sua Ascensão: “Ide e fazei discípulos em todas as nações”; um jornal de inspiração cristã é chamado a colocar no centro das suas preocupações o Evangelho de Jesus e a veicular os valores próprios da dignidade do ser humano; as fake news, notícias falsas, influenciam a sociedade e estão muitas vezes ao serviço de interesses em que os valores não são tidos em conta; a imprensa de inspiração cristã continua hoje a ter o seu papel de divulgação dos valores que deram origem à sociedade plural e democrática em que vivemos; as dificuldades por que passam estes meios de comunicação escritos exigem da parte de todos um grande empenhamento para os ajudarmos a ultrapassar as dificuldades que vivem no seu dia a dia. O meio de ajuda é a sua divulgação e o aumento do número de assinantes.
O Jornal “A Guarda” continua a ser um testemunho que traz para os dias de hoje notícias e narrativas de um passado que desejo ver sempre presente. Enquanto leitor, há cerca de meio século, faço votos que continue por muitos anos a sua missão de ser um jornal regional de inspiração cristã e que todos nos empenhemos em mantê-lo vivo e com o mesmo espírito combativo com que foi fundado.
† António Moiteiro, bispo de Aveiro.