CAMPANHA ELEITORAL
Quando estas linhas chegarem aos potenciais leitores terão passado já mais de sete dias depois de terem sido escritas, treze dias depois de terminar a campanha eleitoral, doze dias após o famigerado dia de reflexão, e onze dias depois de ter depositado o meu voto na urna democrática dos candidatos. Entretanto o Senhor Presidente da República dirigiu-se ao país, com um apelo muito claro aos partidos, à sua maioridade política e à sua responsabilidade e compromissos diante dos cidadãos, ansiosos por se verem livres dos jogos mesquinhos de conquista do poder a qualquer preço. Tudo já foi objecto de comentários e eu não quero ser redundante.
Não irei, pois, comentar os resultados das eleições, processo em que todos se atrevem a apregoar vitória, o que parece confirmar uma espécie de dialéctica entre o tudo e o nada. Quando todos anunciam aos quatro ventos a sua própria vitória é porque a vozearia de uma guerra surda esconde, no que é dito, o silêncio profundo do não dito: os cidadãos cumpriram em conformidade com o que foram discernindo – repito, discernindo – na confusão dos ruídos partidários. Terão os partidos cumprido? Estarão eles a cumprir? Duvida-se.
A campanha foi uma ocasião perdida. Campanha da gestão do imediato sem visão de Estado e de futuro. A Esperança do povo foi destruída pelas pequenas esperas reduzidas a mais uns cêntimos com que hoje, sem olhar ao amanhã, nos podemos ingenuamente alegrar.
A campanha foi uma ocasião perdida. Nela só muito ocasionalmente se evocaram, e pela rama, as questões de fundo da vida colectiva. Embora muitas delas estejam à nossa frente e bem visíveis, todos, por estratégias partidárias ou pessoais, ou por cegueira e preconceitos ideológicos, parecem cobardemente querer ignorar. O importante, na nossa vida colectiva, continua a ceder passo aos problemas do imediato que crescem na proporção em que os problemas importantes não são encarados com audácia e determinação.
Aí vão alguns exemplos para não sermos totalmente absctractos.
Com frequência se vai dizendo que importa proceder a uma revisão da constituição para que nela tenha primazia a promoção da justiça social sobre ideologias bem datadas condicionantes da vida e da autonomia do povo. Quem se atreveu a falar do assunto?
Todos parecem reconhecer a necessidade de uma profunda revisão da lei eleitoral, apontando mesmo a importância de se criar um circulo nacional que, conjugado com os círculos locais, salvaguarde os direitos das minorias, crie proximidade dos deputados com os cidadãos e salvaguarde a criação de governos estáveis. Terá havido alguém a dar algum tratamento à problemática?
Fala-se na necessidade de uma reforma profunda do Estado incluindo a reforma administrativa e revendo, entre outras coisas, o número de autarquias muitas das quais possuem um ridículo número de cidadãos. Quem teve a coragem de apontar nessa direcção?
E a questão europeia? Dias após dia, nós cidadãos, somos confrontados com situações resultantes da perda da soberania nacional, desde a alteração dos limites geográficos de uma região vinícola demarcada até às questões mais complicadas da gestão financeira. É verdade que não se tratava de eleições para órgãos europeus, mas numa altura em que a Europa parece não ter resposta para problemas emergentes, não seria de esperar que a Europa estivesse no centro do debate político? Até os partidos que vêem a solução para o país na saída do Euro parecem ter fugido ao debate e a esclarecer pensamentos.
Frequentemente somos confrontados com dados estatísticos sobre a alarmante evolução demográfica e envelhecimento da população; todavia em que situação ficou esse problema nesta campanha?
Vem-se constatando há muito a necessidade urgente de uma política da língua, mas houve alguém que tivesse tocado no assunto?
Devo ter andado distraído, mas as grandes questões ficaram longe da campanha. Por isso me atrevo a afirmar que, por muito ou por tudo, a campanha eleitoral finda foi mais uma ocasião perdida. Ganharam os malabarismos retóricos que só desprestigiam a política e, de modo contrastante, ganhou o elevado número de abstenções. Será possível que os responsáveis partidários ouçam o silêncio desta voz?
Quando os nossos professores são solicitados a criar espaços de educação cívica ou educação para a cidadania, os nossos adolescentes e jovens são confrontados na rua com práticas que negam os nobres ideais da política, mesmo em campanhas eleitorais que deveriam ser de esclarecimento e de formação cívica. Pobres professores e pobres alunos, cidadãos e políticos do futuro!
A campanha continuou a ser de uma pós-modernidade quase vazia, de um imediatismo que esquece o futuro, de um hedonismo presentista que esquece as linhas do humanismo real, de um relativismo primário de lutas partidárias que esquecem a verdade básica, sempre actual, de que o exercício do poder político ou é um poder ao serviço da cidadania ou é a negação de si mesmo precisamente enquanto político. Idealismo? Seja, se é disso que Portugal precisa.
8 de Outubro de 2015