No próximo dia 25 de julho celebram-se os 100 anos da ordenação episcopal do Venerável Servo de Deus D. João de Oliveira Matos, bispo auxiliar da diocese da Guarda de 1923 a 1962 e fundador da Liga dos Servos de Jesus.
O jornal “A Guarda”, de 28 de julho de 1923, pela pena do Dr. Joaquim Dinis da Fonseca, um dos maiores colaboradores na fundação da Liga, narra, deste modo, o momento vivivo na Sé da Guarda: “No rosto do novo prelado retrata-se uma comoção dominadora. Adivinha-se através do seu olhar humedecido a emoção profunda que lhe tomou a alma. É neste ambiente de emotiva e de sentida esperança que os três prelados estendem as mãos sobre a cabeça do sagrando”. No final da celebração e ao chegar ao paço episcopal, “o bispo auxiliar tenta furtar-se às aclamações do povo, no intuito de as endossar aos bispos presentes. O povo recusa submeter-se àquela decisão e rompe numa grande apoteose”.
Tivemos acesso, recentemente, ao Arquivo do Vaticano, onde foi possível consultar o processo para a ordenação episcopal e os testemunhos que várias pessoas deram acerca da sua capacidade de governo e das virtudes que nele observavam. Aceite o seu nome para bispo auxiliar em 25 de setembro de 1922, o bispo da Guarda, D. José Alves Matoso, refere no ofício que envia à Nunciatura que “ele é inteligente, grave, honesto, de excelente carácter, de sólida piedade e de zelo ardente. Quanto a ciência, fez um curso teológico com distinção, regeu no Grande Seminário com muita proficiência uma cadeira de teologia, tem presidido com muita competência às conferências eclesiásticas nos arciprestados, e no governo da diocese durante as minhas ausências tem dado provas de saber. É muito considerado na diocese”. O mesmo dirão o arcebispo de Braga, D. Manuel Vieira de Matos – “acompanhou-me como secretário e nesta qualidade viveu comigo durante cinco anos, revelando sempre muita virtude, piedade, dedicação e zelo”, e o arcebispo de Évora, D. Manuel Mendes da Conceição Santos – “é um sacerdote de virtude austera, bastante culto, de uma grande rigidez de carácter, de consciência delicada, embora talvez um pouco meticuloso, e de um grande desinteresse”. Ambos prelados conheciam bem o Senhor D. João pela ligação à diocese da Guarda, onde o primeiro tinha sido bispo residencial e o arcebispo de Évora reitor do seminário diocesano.
O candidato ao episcopado, pelo contrário, não se julgava digno ser nomeado para a missão que a Igreja lhe queria confiar. Numa carta escrita ao Núncio Apostólico, a 10 de dezembro, um dia antes da publicação da sua nomeação, no “Osservatore Romano”, afirma de si mesmo: “Por sua Ex.cia Rev.ma, o Senhor Bispo desta Diocese, soube, com bem dolorosa surpresa, que o Santo Padre me designaria para Bispo Auxiliar do mesmo Ex.mo Senhor. Porque não desejo o descrédito da Santa Igreja, que muito amo e quero salvar a minha pobre alma, venho pedir com a mais viva instância a V.Ex.cia Rev.ma a caridade de levar ao conhecimento da Santa Sé Apostólica que eu não posso ser Bispo, seja onde for, por absoluta falta das qualidades indispensáveis para tão alto cargo”.
Passado um mês, volta a pedir que não seja nomeado, por não sentir as qualidades necessárias para tal responsabilidade: “atrevo-me a suplicar, bem do fundo da alma, a Vossa Eminência a graça de interceder por mim junto do Santo Padre para que não me obrigue a ser bispo, anulando a promoção já feita, porque eu não posso nem o devo ser, como já tive ocasião de o comunicar a essa Nunciatura. Não é porque eu deseje furtar-me ao trabalho, Ex.mo Senhor, não; pela causa de Deus espero n’Ele que terei forças para sacrificar a própria vida; o que eu tenho é a firma convicção da minha incapacidade para ocupar tão alto cargo e por isso tenho medo dele”.
Na celebração deste centenário da sua ordenação episcopal e da fundação, no próximo ano, da Liga dos Servos de Jesus, a Causa de Beatificação do Servo de Deus publicará os dezassete documentos do seu Processo de ordenação episcopal, onde podemos comprovar que as palavras do Papa Francisco, no Decreto de aprovação das suas virtudes heroicas, em 3 de junho de 2013, ele as viveu intensamente: «O seu estilo de vida era sóbrio e virtuoso. Constante na pregação da Palavra de Deus, esforçou-se quotidianamente por caminhar na perfeição e encontrou na oração, na espiritualidade eucarística e na devoção à Virgem Maria a fonte da sua intensa atividade pastoral. O seu zelo apostólico deu um notável impulso à reconciliação social após tantos anos de tensões. A sua característica principal é a caridade pastoral, que viveu com verdadeira convicção e constante generosidade».
A santidade é o rosto mais belo da Igreja, olhando para este cristão-bispo que tantas marcas deixou na diocese da Guarda e no nosso país, saibamos ser discípulos de Jesus na construção do Reino de Deus em qualquer lugar em que nos encontremos.
† António Moiteiro, Bispo de Aveiro