Pelo facto de quase nunca ter vivido em Vale de Espinho, muitas pessoas nem se deram conta que nesta aldeia nasceu um notável jesuíta que aqui vamos recordar e fazer uma pequena memória da sua longa vida.
O Padre Domingos Moreira nasceu em Vale de Espinho a 20 de setembro de 1906. Completou a quarta classe com o professor Bernardino Luís Marques e a confusão republicana iria extinguir em 1910 as ordens religiosas em Portugal, assim como dificultar a abertura e a formação dos seminários diocesanos.
Como terra de fronteira que é Vale de Espinho, ouvia-se falar de que muitos jesuítas portugueses se tinham refugiado em San Martin de Travejo, e os pais de Domingos Moreira não hesitaram em coloca-lo no Colégio dos Jesuítas desta aldeia, com a idade de doze anos.
San Martin de Travejo é uma das aldeias da Serra da Gata que acolheu árabes e judeus, e onde as águas da montanha correm límpidas pelas ruas. É dotada de um dialeto especial, ainda falado pela população, o mañejo, variante local de um idioma da família galaico-portuguesa, com o nome de fala de Xálima, sendo a povoação designada, neste dialeto, por Sa Martín de Trabellu
Com poucas idas à aldeia, ali permaneceu, fazendo as humanidades, convivendo, quase exclusivamente, com a família jesuíta de Espanha, em viagens e em estudos e também ensinando aos mais novos, pois dominava muito bem a língua castelhana. Foi-lhe constatada muito cedo uma grande propensão para o ensino, e foi professor durante uma grande parte da sua vida.
Aos dezassete anos, em agosto de 1923, entrou para a Companhia de Jesus, para o convento de Santa Maria de Oya, na Província de Pontevedra, na Galiza, onde fez os estudos de filosofia. Em 1933 foi para a Bélgica para estudar Teologia no enorme Colégio de Saint Augustin que pertencia aos Jesuítas e aqui ficou durante 4 anos, tendo sido ordenado sacerdote na igreja do referido colégio, em Enghien, a 24 de junho de 1937.
Após os estudos de Teologia fixou-se na Inglaterra, em Ryhill onde, de 1938 a 1939, concluiu a última etapa da sua formação de jesuíta, designada a “Terceira Provação”. Este é o último período de formação de um jesuíta que dura entre seis a oito meses e onde são novamente convidados a mergulhar na profundidade dos Exercícios Espirituais de trinta dias e no estudo da espiritualidade da Ordem religiosa, a Companhia de Jesus, fundada por Santo Inácio de Loyola, em 1534.
De 1939 a 1973 foi professor no Instituto Nuno Álvares, Caldas da Saúde, em Santo Tirso e que, vulgarmente, é designado por “Colégio das Caldinhas”.
Nesta secular instituição, o Pe. Domingos Moreira assegurou o ensino de francês e de inglês que dominava corretamente.
É de lembrar que a fina flor da juventude portuguesa era mandada pelos pais para o Colégio de Santo Tirso, onde era sabido que receberiam uma excelente educação, campo onde os jesuítas eram muito activos. Ministros, diplomatas, professores por ali passaram e foi com o Pe. Domingos que aprenderam o francês e o inglês. Também o bem conhecido ex-dirigente portista, Jorge Pinto da Costa, frequentou este Colégio e já evocou, por várias vezes e em público, o Pe. Domingos Moreira, com alguma graça.
Em 1973 deixou de ensinar e fixou-se na Ruvina, como Capelão da Comunidade das Irmãs da Liga dos Servos de Jesus. Gostava também de ajudar os párocos das aldeias vizinhas e era muito respeitado e admirado pela sua sabedoria e conselho.
Foi só a partir da sua estadia na Ruvina, em 1973, que começou a frequentar, mais assiduamente, a aldeia onde tinha nascido.
Apreciava sobretudo visitar a família. Grande conversador, não se privava de passar momentos inesquecíveis na alfaiataria de seu primo, o meu saudoso pai, a recordarem-se de momentos particulares dos tempos de infância, de quando dormiam na loja do cavalo, com medo das bruxas ou a recordarem-se dos amigos e pessoas que emigraram para o Brasil, Argentina ou que já tinham falecido. Refaziam o mundo da aldeia do tempo em que eram crianças.
Quando podia, vinha até Vale de Espinho e era na casa da minha irmã Marizé que se alojava, guardando deste parente sacerdote as melhores recordações de afabilidade e de simpatia.
Faleceu a 16 de Março de 1999 tendo sido sepultado no cemitério da Ruvina, próximo daquelas que sempre assistiu com dedicação e carinho.
Às Irmãs, que bem o conheceram, deixou muitas saudades e as melhores recordações, pois o Pe. Domingos foi um sacerdote plenamente entregue à sua missão de serviço. Por ocasião do seu funeral, as Irmãs redigiram um belo testemunho distribuído numa pagela que passo a citar:
“O Pe. Domingos Moreira era um homem de grandes qualidades humana, uma pessoa prudente e de conselho, firme nas suas convicções, pacífico e bondoso para com todos… Era também uma pessoa na qual era fácil ver a Deus. Homem de fé e de oração intensas, com critérios sobrenaturais próprios de quem encarava a vida como um dom de Deus; sempre disposto a ajudar os colegas Sacerdotes, as Irmãs e as meninas da Casa onde vivia; nunca se ouviam da sua parte críticas nem murmurações; particularmente devoto do Santíssimo Sacramento e de Nossa Senhora. Tratado com toda a dedicação pelas irmãs da Comunidade da Ruvina, foi chamado por Deus para a vida eterna, onde seguramente intercede por nós, com um amor sacerdotal ainda mais zeloso e solícito. “
Joaquim Tenreira Martins