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UM GOVERNO A MARTELO?

Pontos de Vista

1 – Portugal votou: em eleições legislativas regularmente convocadas para 4 de Outubro, depois de uma campanha eleitoral aguerrida mas já esperada e, por isso, normal. Logo, tudo bem! Não, tudo, mal! Ora vejam: em pouco mais de 24 horas, isto é, logo a seguir a 5 de Outubro, temos vindo a assistir a um verdadeiro festival de contorcionismo. Como que por ingestão de uma poção mágica, partidos com uma história sedimentada e com uma estratégia repetida à exaustão, metamorfosearam-se da noite para o dia, dispondo-se a dar uma cambalhota por cima de princípios de orientação política tidos até agora como definitivamente estabelecidos. Sem pré-aviso durante a campanha eleitoral, sem que o cenário tivesse sido equacionado como possível, PS, PCP (com o seu apêndice PEV) e BE manifestam-se hoje dispostos a participar numa plataforma “sólida e consistente” destinada a dar “estabilidade” a um governo de legislatura de esquerda (ou de unidade popular?) ou a um simples governo minoritário do PS.
No centro desta fruste “contradança” está António Costa, o líder do PS derrotado em função dos resultados eleitorais que, agora que já foram apurados os votos dos círculos da emigração, desenha o novo quadro parlamentar: Coligação PaF: 107 deputados (89 do PSD e 18 do CDS); PS: 86 deputados; BE 19 deputados; CDU 17 deputados (15 do PCP e 2 do PEV). Ou seja: foi esta- e não outra – a composição do Parlamento ditado pelo veredicto popular.
Este quadro permite, a meu ver, extrair as seguintes conclusões fundamentais: (a) a vitória pertenceu à coligação de centro-direita PaF, que, apesar de perder a maioria absoluta, teve uma vitória clara, com mais de 6% de votos e 21 mandatos do que o PS; (b) o grande derrotado das eleições foi o PS, que não foi capaz de capitalizar o descontentamento popular resultante de quatro anos de forte austeridade, que causticou o país, com particular incidência sobre os mais desfavorecidos e devastando a classe média; (c) em termos de figura política, há um perdedor indiscutível: António Costa. Não só liderou um projecto derrotado, mas também ficou muito aquém das expectativas que tinha suscitado quando afastou o seu antecessor António José Seguro, que ele apoucou qualificando de “poucochinhas” as vitórias por este obtidas em duas pugnas eleitorais sucessivas – as autárquicas e as europeias; (d) a grande surpresa eleitoral veio do grande resultado do BE, que, esse sim, soube capitalizar a compreensível manifestação de descontentamento e protesto, que “roubou” aos partidos da coligação várias centenas de milhares de votos, uma boa parte dos quais transitou directamente para o Bloco, “sobrevoando” o PS; e) o PCP, força nuclear da CDU, saiu também derrotado, não porque tenha reduzido a sua votação em relação a 2011 (até subiu um “poucochinho”!), mas porque se viu claramente ultrapassado pelo BE, um partido menos consistente ideologicamente mas pragmático e ambicioso, com uma retórica muito populista mas bem servida por vozes jovens e convincentes junto do eleitorado.

2 – Perante estes resultados, é natural que António Costa tenha sentido uma vaga de contestação à sua liderança infeliz e perdedora. E não faltou, logo na noite eleitoral, quem o tenha manifestado. Permito-me destacar, pelo peso da sua história pessoal e profissional, a voz de Vera Jardim e, mais recentemente, a figura respeitada e prestigiada de Francisco Assis, reagindo contra o lamentável mercadejar de apoios políticos à esquerda e, simuladamente, também à direita, num pisca-pisca inédito, descarado e indecoroso por parte de António Costa.
Cabe perguntar: o que levou António Costa a este frenético exercício, privilegiando uma aliança com os partidos à sua esquerda em vez de optar por uma negociação séria com os partidos da coligação? Qual a razão que está por detrás desta escolha de um líder derrotado, sabendo como sabe que há um oceano de diferenças que separam o seu partido – elogiado pelos militantes como “o mais europeísta dos partidos portugueses” – do PCP e do BE em matéria de opções europeias, respeito pelo tratado orçamental, reestruturação da dívida, posição perante os credores e os mercados e ainda pelas nossas alianças atlânticas? Como entender esta disponibilidade para aceitar um ménage à trois com a extrema-esquerda parlamentar, sabendo que o mesmo pode levar o PS, a curto/médio prazo, a um haraquíri político, além de ser obviamente negativo para o País?
Diz ele que este poderá ser um momento histórico correspondente ao verdadeiro termo do PREC ou ao derrubar do que resta do “muro de Berlim”. Literatices! Em face de uma opção tão inesperada, Costa não pode evitar que a generalidade dos portugueses considere que a verdadeira razão desta sua escolha radica numa luta aferrenhada pela sua sobrevivência política, patrocinando a formação de um governo minoritário do PS, ou por este liderado, assim concretizando a ambição pessoal de ser 1º Ministro de Portugal, apesar de, clara e inequivocamente, ter sido derrotado nas urnas.
Não está em causa a conformidade constitucional de um governo de coligação dos partidos de “esquerda” ou, mesmo, de um governo minoritário do PS com o apoio parlamentar do BE e da CDU! O vício está na base e é de legitimação política e ética, por falta de respeito pelo voto dos portugueses. É que não pode olvidar-se o facto de, quer nos programas das formações das “esquerdas”, quer na campanha eleitoral, não ter sido apresentada aos eleitores, e discutida pelos partidos interessados, a possibilidade de uma plataforma de entendimento visando a formação de um governo de aliança PS/PCP/BE ou o apoio do BE e do PCP a um governo minoritário PS. Se o eleitorado tivesse sido devidamente informado de tais desideratos o resultado final das eleições teria sido seguramente diverso.

3 – Assim sendo, quais os passos que, a meu ver, se vão seguir?
Em primeiro lugar, e depois das reuniões com todos os partidos com assento parlamentar, o Presidente da República deverá indigitar o líder do PSD, por ter sido o mais votado, para formar governo. Depois, será na AR que cada um dos partidos assumirá as suas responsabilidades. Aí derrubarão – ou não – o programa do governo saído da coligação. PCP e BE já anunciaram a intenção de apresentarem uma moção de rejeição. Ver-se-á qual a decisão do PS, que poderá votar a favor ou abster-se. No caso de votar a favor da rejeição, será ainda interessante verificar se haverá deputados que dissidam da vontade da direcção do Partido. Depois, das duas, uma: ou o programa do governo passa ou é chumbado, como parece mais provável. Se passar, ver-se-á como se desenrolarão as etapas subsequentes. Se cair, não vejo outra hipótese senão o PR convidar o secretário-geral do PS a formar governo. Caso em que, de novo, das duas, uma: ou teremos o tal governo de coligação das esquerdas ou se formará o governo minoritário do partido derrotado nas eleições, com o apoio parlamentar dos outros. Será esta a hipótese mais do agrado do PCP, porque derruba a direita, encosta o PS contra a parede e fica a assistir de “bancada” ao suicídio do que deveria ser o maior partido da oposição. Parece-me, porém – e aqui insisto – indispensável que o PR exija que a constituição de um governo, seja ele qual for, apresente inequívocas garantias de estabilidade e seja antecedida pela aceitação escrita e formal de um conjunto de condições sobre questões de Estado, nomeadamente sobre o cumprimento escrupuloso das obrigações europeias e atlânticas do nosso País. É o mínimo exigível para não termos um “governo a martelo”…

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