Haverá já uns bons anos, à entrada de uma igreja,
deparei com a seguinte informação: «Deus dirige-se a nós, mas não por telemóvel». Achei graça à subtileza com que era pedido para que fossem desligados os telemóveis durante as celebrações litúrgicas. A mesma frase já a voltei a encontrar noutros locais de culto, e, como outrora, sempre me interroguei se, de facto, é tão claro que Deus não fale também através dos meios técnológicos que enxameiam as nossas vidas.
Há dias, em Lisboa, numa das minhas habituais visitas às livrarias, deparei-me, entre outros volumes que me despertaram a atenção, com um pequeno livro de capa azul que se apresentava com este curioso título: «Skype com Deus». É autor Bruno Costa Carvalho. E imediatamente me veio à mente o contraste: se Deus não fala por telemóvel, havia alguém que achava que Deus fala através do Skype. Peguei no livrito e, antes de o abrir, pude ler o seguinte na contracapa:
«’Plim’. Ouço um aviso no meu computador.
Olho para o meu computador e verifico o aviso que acabei de receber. É o Skype. Alguém acaba de me pedir que eu aceite o seu contacto.
É ‘Deus’… Muito bom! Deus…
Com Ele deveria ser, de facto, interessante ter uma conversa…
Que disparate! Rio-me.
Como se fosse mesmo possível ter Deus do outro lado… Ainda que isso acontecesse, não teria a mínima ideia do que lhe dizer… E um Skype… Rio-me… Devo estar a ficar louco…»
Abri, depois, o livro numa página ao acaso, e depois outra e ainda outra. A minha curiosidade aumentou e só então fui ao princípio, onde vim encontrar o seguinte texto de Espinosa: «Deus é a cadeia causal ou o processo, é a condição subjacente a todas as coisas, é a lei e a estrutura do mundo. Este universo concreto de coisas estão para Deus como uma ponte está para o seu desenho, a sua estrutura e as leis da matemática e mecânica de acordo com as quais foi construída. Estas leis são a base de suporte, a condição basilar da ponte. Sem elas a ponte caía. E como a ponte, o próprio mundo é mantido pela sua estrutura e pelas suas leis. Está sempre na mão de Deus.»
Regressei à Guarda de comboio, mas vim também de «Skype com Deus». A internet faz actualmente parte da vida diária e as potencialidades dos recursos informáticos não deixam de nos maravilhar. De comboio, vim de Skype à boleia de Bruno Costa Carvalho. O seu livrinho proporcionou-se uma agradável viagem a problemáticas clássicas, tudo apresentado num diálogo vivo entre um Deus que sabe rir e um humano desapontado com as respostas que Deus vai dando às perguntas que o mesmo Deus vai provocando.
São só 67 páginas em que se conjuga a filosofia e a ciência. Nele se vão encadeando, com singeleza e humor, problemas filosóficos múltiplos: a criação do mundo, a realidade do eu pessoal, o livre arbítrio, o bem e o mal, o relativismo cultural, a sensação interna de uma moral inata, a bondade de Deus e o seu carácter de «todo poderoso», a vida e a morte, o amor de Deus, o tempo e a eternidade, o sentido da vida, a pluralidade de universos, a evolução e as leis internas à matéria, os limites e a possibilidade do conhecimento humano, o papel da consciência na existência do mundo, a alma, a ciência e a tecnologia…
E Deus? Que Deus emerge nesta espécie de «ciberteologia»?
Será bom de ver que não estamos perante o deus de qualquer religião, muito menos o Deus pessoal tal como é vivido pelo Cristianismo. Digamos que é um Deus, porque com ele podemos falar, que se situa no espaço transcendental intermédio entre o Deus da fé cristã (que se revela e se faz homem) e o Deus dos filósofos, impessoal, distante e frio a que dificilmente de poderia rezar.
De qualquer modo, um deus com humor, que ri com as perguntas dos humanos, que confia nas virtualidades criadoras do ser humano. É um deus que é tudo em tudo. Não é por acaso que o livrinho abre com um texto de Espinosa e que termina com agradecimentos a cientistas e filósofos, «sobretudo» a este filósofo de sabor panteísta.
Poder-se-á discordar das soluções aos problemas levantados. Contudo, o livro poderá ser uma espécie de bem-humorada «introdução à filosofia», escrita num diálogo com a ciência e o mundo de hoje.
Mas o livrinho poderá ir mais além. Há três anos apareceu no mercado livreiro o livro de António Spadaro intitulado «Ciberteologia: pensar o Cristianismo na era da internet». E nós, parafraseando, poderíamos acrescentar: falar com Deus na era da internet. Esteja quem estiver do outro lado da linha de um qualquer Skype, poderá ser sempre Deus a tornar-se mais próximo da humanidade.
3 de Julho de 2016