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Requiem para o Dr. José Tomaz Ferreira

No percurso da nossa existência há pessoas que nos marcaram pelas suas qualidades humanas e intelectuais

e uma delas foi o dr. José Tomaz, falecido a 30 de abril findo e que gostaria de aqui lembrar.
Quando em 1962 cheguei ao Seminário da Guarda para cursar o primeiro ano de filosofia, o dr. Zé Tomaz era ali prefeito e professor. Havia um ano que tinha vindo de Roma onde se licenciara em Teologia na Universidade Gregoriana. Tinha uma cara de jovem que guardou sempre. Alguns até lhe chamavam o puto, não por ser pequeno, mas porque tinha uma cara quase tão jovem como nós, a ponto de, logo no primeiro dia, o ter cumprimentado num grupo de colegas mais velhos como se fosse um de entre eles, tratando-o mesmo por tu, o que muito o divertiu. Não faz mal, não foste o primeiro!
Todos lhe reconheciam uma excelente craveira intelectual, que transparecia no seu profundo raciocínio e na sua palavra eloquente e incisiva, transmitindo-nos um pensamento claro, sedutor.
Em 1958 rumou para a cidade eterna, com a idade de 22 anos. Tinha recebido as ordens menores e a ordenação de diácono. Na igreja de Santa Inês, (Piazza Navona – Roma) foi ordenado presbítero, em 12 de julho de 1959, e celebrou a primeira missa em Lourdes, três dias depois.
Em Roma, tinha sido convidado para fazer o doutoramento, mas o então Bispo da Guarda, seu superior hierárquico, pretendia renovar o ensino da Teologia no Seminário, que era facultado por professores manifestamente de uma outra era.
Sabemos agora, pelo livro que publicou o ano passado, intitulado O Trono e o Altar, em Tempos de Estado Novo, nas edições Veritas, Guarda, que o dr. José Tomaz tivera também um convite para ingressar na Academia dos Nobres e seguir a carreira diplomática do Vaticano, proposto pelo Monsenhor Saraiva, à época Vice-Reitor do Colégio Português, em Roma. A Secretaria de Estado queria reforçar a presença portuguesa nos seus quadros e tinha encontrado no dr. José Tomaz um elemento que preenchia bem os requisitos daquela notável e exigente instituição. Não é nosso propósito descrever o que se descreve no referido livro, que vale a pena consultar para se perceber a pequenina visão daqueles que então detinham os desígnios da diocese, pois neste episódio abundam cotoveladas e mexericos para impedir o dr. José Tomaz de enveredar por uma carreira internacional, que, estou certo, a desempenharia de uma maneira exímia e em muito prestigiaria também a nossa diocese.
Mas outros desígnios esperavam pelo dr. José Tomaz. Conta ele no livro: “Quando cheguei a Portugal, em Junho de 1961, fui apresentar cumprimentos ao novo bispo, D. Policarpo, …e na primeira conversa, recebi, de supetão, a indicação de, a partir de outubro, prestar serviço no Seminário como prefeito e professor”.
O dr. José Tomaz conformou-se de bom grado e com toda a dedicação às suas novas funções no Seminário. Porém, as instâncias superiores não o colocaram na docência da Teologia, para o qual tinha sido bem preparado, mas encarregaram-no de lecionar umas miudezas, como ele diz, tais como Ciências Geográfica, História da Civilização, História de Arte e uma introdução à teologia que era designada Apologética.
O dr. José Tomaz era adorado pelos alunos. Admirávamos o seu espírito vivo, a sua imensa cultura geral e com ele aprendemos muito.
Foi professor e prefeito do Seminário da Guarda de 1961 a 1966, e neste ano foi dispensado do seu múnus pelo então Bispo da diocese, sem que lhe tivesse sido comunicado qualquer motivo ou explicação.
O que se seguiu soube-o depois mais tarde, e, agora, mais em pormenor, no livro O Trono e o Altar, em que o dr. José Tomaz teve de recorrer ao depoimento escrito para defender o seu bom nome, porque, após a saída do Seminário, em 1966, tudo se disse a seu respeito: que era progressista, que era comunista, que não merecia a confiança nem dos serviços do Patriarcado de Lisboa, nem dos serviços de ensino de religião e moral, pois a PIDE não autorizou que fosse professor.
Com grande mágoa sua, teve de pedir a redução ao estado laical para poder sobreviver. É verdade que deixou de exercer o múnus sacerdotal, mas na sua opção de vida, continuou a aprofundar os mistérios da revelação, tendo-nos deixado um maravilhoso livro intitulado, “A Economia da Salvação — o Homem no Projecto de Deus”, que é dedicado “Ao Povo de Deus peregrino na Diocese da Guarda a quem devo o dom da Fé”.
O livro do dr. José Tomaz, O Trono e o Altar, já veio um pouco tarde, mas ficou a perceber-se o sofrimento por que passou, pois queria à viva força dedicar-se a Deus e à igreja e continuar a exercer o ministério sacerdotal. Que descanse em paz.

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