Todos os anos, no mês de agosto, as nossas aldeias enchem-se de gente. Durante os restantes meses do ano, elas ficam sem habitantes já que não foi possível encontrarem aqui o normal sustento para sobreviver.
Sempre me perguntei a razão pela qual gostamos sempre de voltar às nossas origens. Será que a afeição desaparece com a segunda, a terceira e outras gerações? Por que razão constatamos a alegria e a emoção que inunda as pessoas que vão visitar a casa dos antepassados nas recônditas aldeias de Portugal. Algumas contentam-se com uma simples fotografia ou até mesmo com uma pequena descrição. Foi isto mesmo que pude constatar numa recente viagem que fiz até Buenos Aires, eu próprio também à procura das minhas origens, já que duas tias por ali deixaram descendência.
Hoje, quase não conseguimos imaginar que há cinquenta anos, quando se emigrava, geralmente para o continente americano, vendia-se tudo o que se possuía na aldeia para pagar a viagem e as despesas da primeira instalação. Partia-se para nunca mais regressar. Parece que nalgumas aldeias, quando uma família partia, tocavam os sinos porque a emoção era grande naqueles que partiam e naqueles que ficavam. Era o último adeus e, por isso, o toque pungente dos sinos conseguia lembrar que a partida assemelhava-se à última viagem que cada um de nós fará um dia, para sempre.
Os tempos mudaram e regressar às origens, pelo menos uma vez por ano, tornou-se mais fácil e assumiu um ritual que as nossas aldeias bem souberam aproveitar. Além de celebrar os laços de amizade entre familiares e amigos que se traduz por convívios, geralmente bem animados, participa-se em festividades que sempre nos reconfortam.
E a nossa raia é fecunda em tradições que alguns tentam pôr em causa e esquecem-se que foram estas mesmas tradições que continuam a construir-nos. Estou a referir-me à tentativa da eliminação da tradição das capeias na raia sabugalense. E digo capeias e não touradas, porque é essa a amálgama que tenta fazer-se para nos mergulharem na confusão e assim poderem mais facilmente impor a sua opinião. As nossas capeias raianas são um verdadeiro jogo entre o homem e o animal. Para evitar a desigualdade de forças, o sabugalense raiano inventou o forcão para fazer face à força selvagem de um touro que, colocado em frente da fragilidade do homem, o aniquilaria ao primeiro impacto. Nestas nossas capeias, o touro não é farpeado, picado com aguilhões, nem utilizados quaisquer instrumentos de tortura que provoquem sangue no animal. Não, a lide com o touro é o reconhecimento de uma desigualdade respeitada e aceite mutuamente.
As festas por esta ocasião têm em conta também a dimensão religiosa a que os residentes fora das nossas terras continuam bem arreigados.
Na minha aldeia aprecio e comove-me sempre a saída em procissão de todos os santos que se encontram na igreja matriz. Aqueles que invocamos nas nossas orações são colocados em andores e transportados por quatro devotos através da rua da procissão, e, por essa ocasião, abrimos as nossas janelas, pendurando as melhores colchas, saudando-os com pétalas de flores, suplicando-lhes que intercedam por nós durante mais um ano.
Nunca, nesta ocasião, falta a romagem ao cemitério para homenagearmos os “nossos defuntos”, como dizia e insistia muito bem o nosso bom pároco, o Pe. Américo Real Barroca, porque nesse dia são invocados “todos” os que se encontram no cemitério e não apenas alguns dos nossos familiares, os quais continuam a estar em comunhão connosco.
Festas destas fazem-nos falta e nunca é demais manifestarmos o nosso agradecimento a todos aqueles que, generosamente, dedicam o seu tempo para que elas se possam perpetuar.