1 . Chegou a Primavera. Chegámos a mais uma Páscoa que a todos desejo muito feliz e reparadora.
Com os dias a crescer e o bom sol a alegrá-los, respiramos melhor, apetece-nos até mudar de vida…“Vamos para o campo, vamos desafogar, fazer piqueniques, respirar o bom ar, dormir sestas na relva…” dizia-me o vizinho, entusiasmado. E aí, comecei eu a sorrir. Num relâmpago, vieram-me as memórias de infância, das férias passadas na aldeia e do sol a rodos pelos campos, com a merenda muito bem providenciada pela nossa boa Zefa. Mas logo acudiu a lembrança menos idílica das formigas, dos gafanhotos, de todos os bichos e bicharocos que picam, arranham, sugam e mordem, escondidos e traiçoeiros ou às claras e impantes, senhores das suas forças, artes e manhas. E de repente, numa analogia involuntária mas certeira, logo me assaltou a imagem do governo que nos desgoverna. Os seus membros, agarrados ao Poder, de cujo suco se alimentam, tão enfronhados estão que, num só ano depois de ganha a insuspeitada maioria, conseguiram tecer uma teia aterradora de trapalhadas, trafulhices, incompetências e mentiras sucessivas encobridoras dos mais apertados compadrios e promiscuidade política… Se não, vejamos um exemplo flagrante: o caso labiríntico da TAP e a forma como o estado/governo se tem comportado. O inquérito que vem sendo prosseguido pela Comissão Parlamentar tem vindo a confirmar o que já se desconfiava: toda a questão dos órgãos de gestão da empresa aérea, desde as suas saídas por despedimento (com justa causa ?!) ou, ao que se quis fazer passar, por decisão pessoal, nas suas motivações como nas suas consequências (as indemnizações milionárias ou nem isso, legais ou talvez não…), toda ela foi tratada aos tropeções, em sucessivas revelações de soberba e incompetência intoleráveis, tanto por parte dos governantes, bem como das assessorias pagas a peso de ouro. As tutelas saem arrasadas. Fica uma imagem deplorável não só dos membros do Governo que intervieram no processo como também do próprio Primeiro Ministro. A revelação das reuniões promovidas por boys do PS com a ainda CEO da TAP para condicionar o seu depoimento na A.R. é espantosa no seu terceiro-mundismo sem honra nem vergonha!
A juntar as culpas que lhe cabem de ainda não terem sido pagos os apoios prometidos aquando das grandes cheias de dezembro passado em Lisboa, segundo queixa do Presidente da Confederação das Micro, Pequenas e Médias Empresas. Aonde fica o dito “palavra dada, palavra honrada”? A Mentira lavra! O “arranjismo” e a impudência imperam, obstinados e incólumes. E o pior é que estes exemplos são como as pragas: expandem-se, proliferam, atacam e infetam. E os cidadãos “infestados” acabam por se sentir autorizados a copiar o exemplo que vem de cima. Um asco!
2. A Finlândia é, a partir de ontem, 4 de abril, o 31º país membro da NATO. E se para todos nós, membros desta organização militar defensiva, foi de algum modo muito simpático acolher mais esta nova nação, tal por certo não foi o sentimento de Putin, “o novo czar vermelho”. Ironia do destino ou fruto da enorme coragem dos defensores ucranianos, o invasor vê a fronteira com a NATO que ele tanto queria aniquilar, aumentar em mais de 1.300 kms. e chegar-lhe à porta. Penso que os finlandeses, patriotas e corajosos, a quem a União Soviética roubou, depois da 2ª Grande Guerra, 10% do território que era seu, sabem bem o preço da sua independência e entendem defendê-la, aproximando-se da Europa Ocidental. Sejam bem-vindos.
Entretanto e curiosamente a Primeira Ministra Sanna Marin, e Presidente do Partido Social-Democrata, que foi quem negociou todo o processo de adesão à NATO do seu país, acaba de sair derrotada das eleições, com os três partidos que apoiavam o seu governo. Foi o partido Coligação Nacional, de centro direita, que venceu por curtíssima margem. Em segundo lugar ficou o Partido dos Finlandeses de extrema direita, num movimento dos eleitorados para a direita que parece estar a generalizar-se pela Europa. No entanto, Marin disse estar satisfeita com o resultado do partido – que ficou em 3º lugar – que é o melhor desde 2011. “É um grande dia porque nos saímos bem nas eleições”, declarou, acrescentando que “a Democracia falou”. Louvável afirmação de quem entendeu bem o que se joga na Democracia: o direito e a liberdade de votar no que se acredita ser o melhor para todos e a nobreza de respeitar uma vontade que não a sua mas que se exprimiu em igualdade de direitos e de oportunidades. Perdoem-me o chiste mas acho que a Democracia é o “repelente” mais eficaz para os “Putins” deste mundo…!
3. Não quero deixar de referir aquilo que me parece ser uma das consequências mais trágicas da praga mais nefanda que assola o mundo: a Guerra. Trata-se da tragédia ocorrida nas instalações do Centro Ismaelita provocada pelo ataque assassino de um refugiado afegão de que resultaram duas mortes e um ferido. As razões ainda não foram apuradas na totalidade, mas, qualquer que seja a história no seu pormenor, é para mim resultado dos distúrbios que, na sequência de situações de violência extrema, de perigo ou de medo constantes, se instalam na mente humana, de uma maneira tão profunda, tão dolorosa, tão avassaladora, que se perde qualquer noção do Bem e do Mal, qualquer vislumbre de consciência que permita fazer a distinção entre um e outro. As vítimas dessa calamidade tornam-se seres possuídos de vários tipos de agressividade, muitas vezes, ou as mais das vezes, dissimulada, o que permite que possam surpreender, nos seus ataques mais cruéis, os seus próprios familiares ou os amigos mais próximos. Mas um drama destes, num local como este, é particularmente sinistro e injusto. Isto porque a Fundação Aga Khan que em Portugal instalou a sua sede internacional, tem como inspiração, para além obviamente dos seus princípios religiosos mas exatamente fundada neles, o zelo pelo bem espiritual e humano não apenas de todos os ismaelitas (no nosso país são cerca de 10.000) mas de todos os seres humanos, desenvolvendo vastos planos de ajuda ao nível sobretudo da saúde e da educação, patrocinando a investigação ligada, entre outras, à epidemiologia, na Medicina, ou às infestações e pragas, na Química agrícola para os países em desenvolvimento.
Tive oportunidade de me aperceber do valor ético bem como da esmerada organização desta obra mundial quando, estando na Procuradoria-Geral da República, fui encarregado de emitir parecer precisamente sobre a instalação em Portugal da Fundação Aga Khan. Fiz então um estudo de direito comparado, analisando os estatutos das diversas sedes da Fundação espalhadas pelo mundo, sobretudo a de Londres e a da Suíça por serem as mais paradigmáticas e as mais próximas do nosso modelo europeu. Foi com o profundo conhecimento do caráter benemérito, socialmente responsável, da notável generosidade dos seus propósitos e da indiscutível seriedade dos seus métodos de ação, que propus que fosse autorizada a sua instalação em Portugal. Assim se fez! Hoje o próprio Aga Khan está a reabilitar em Lisboa um dos nossos palacetes para estabelecer a sua residência oficial no nosso País. Por uma vez, Portugal foi afortunado!
Lisboa, 6 de abril de 2023