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POPULISMOS

Pontos de Vista

Parece-me indiscutível que, na actual conjuntura política internacional, o núcleo das nossas mais graves preocupações radica no uso e abuso de agendas populistas, nacionalistas e radicais de governação.
Na Áustria, uma diferença insignificante acaba de evitar a vitória, na segunda volta das eleições presidenciais, de um Presidente oriundo da extrema-direita xenófoba e anti imigração. Na verdade, o candidato do Partido da Liberdade (!?) foi derrotado à tangente pelo ecologista Alexander van der Bellen. Acresce que esse sucesso do candidato apoiado pelas foças democráticas ficou a dever-se aos votos por correspondência, que permitiram ao Presidente eleito ultrapassar “sobre o fio da meta” o candidato nacionalista e xenófobo Norbert Hofer, que tinha recolhido uma maioria clara entre os eleitores residentes no País. Foram os cerca de 900 mil boletins enviados por correspondência que decidiram a vitória. O novo Presidente eleito, antigo líder do partido Os Verdes, converteu uma derrota de quase quatro pontos numa vitória à tangente de 50,3% contra 49,7% (que traduz uma diferença de 31 mil votos, menos de metade da lotação do Estádio da Luz). Ainda bem que assim foi, mas não nos iludamos: o perigo da extrema-direita nacionalista e anti imigração continua a espreitar. Assentando a sua crescente popularidade num discurso demagógico e populista, quem votou no sorridente Hofer fê-lo, segundo o Le Monde, “porque sentiu que este político de extrema-direita compreendia as preocupações do povo e porque lhe parecia simpático”. Se a esse populismo primário se juntar o apelo a um nacionalismo antieuropeu e excludente dos emigrantes, bem como o aproveitamento do medo causado pelo terrorismo jihadista e o ódio a muçulmanos e refugiados, estão encontrados alguns dos ingredientes que explicam o crescimento explosivo e perigoso dos partidos de extrema-direita por toda a Europa. As eleições presidenciais na Áustria demonstraram o descalabro dos partidos tradicionais: nem o Partido Social-Democrata nem os conservadores do Partido do Povo conseguiram levar os seus candidatos à segunda volta. Mas, atenção: como escreveu alguém, “a força do partido de Norbert Hofer é mais um sinal vermelho, mesmo muito carregado, dos riscos que as democracias europeias estão a correr”. Ou, nas palavras de Paulo Rangel, apesar de a vitória do ecologista e a derrota in extremis do candidato da extrema-direita ter sido um alívio, “a destruição do centro político permanece e a guerra ao populismo terá de continuar…”.
Na verdade, trata-se de um fenómeno que é geral na Europa, uma vez que os partidos tradicionais e do centro não têm sabido responder com clareza à depressão dos eleitores, angustiados pelo medo e economicamente garrotados por políticas de austeridade e de crise. Basta olhar para o que se passa em França, no Reino Unido, na Alemanha, na Suécia, na Finlândia, na Dinamarca, na Holanda ou na Hungria de Órban. Como escreve Teresa de Sousa, no Público de 24 de Maio, “as bandeiras são as mesmas: contra os imigrantes e os refugiados, e ainda mais se forem muçulmanos; contra a integração europeia; contra a globalização”.
Mas as nossas preocupações dão lugar ao mais negro pessimismo com o que está a acontecer nas primárias norte-americanas e com as sondagens que já colocam essa criatura de opereta, chamado Donald Trump, a par da provável candidata pelo Partido Democrático, Hillary Clinton. Será que o eleitorado dos Estados Unidos da América ensandeceu? Será que os cidadãos norte americanos não se apercebem dos riscos dramáticos que poderiam advir para o mundo da vitória eleitoral dessa figura de banda desenhada, malcriado, racista, populista e inculto, para o lugar mais poderoso da política mundial? Se há um ano, alguém admitisse a vitória de um TRUMP para o cargo hoje exercido com indiscutível talento por Barack Obama, seria a gargalhada geral. Estar-se-ia perante a profecia da loucura! Mas a verdade é que, hoje, a magros meses das eleições presidenciais americanas, “já ninguém descarta com certeza matemática uma vitória de Trump em Novembro. Tenhamos a consciência de que um tal resultado constituiria um pesadelo para a América e um filme de terror para o mundo. Far-nos-ia, imagine-se, recordar com saudade o “Bush filho”, esse Presidente ignorante, leviano, irresponsável e tonto, célebre pelas suas gaffes e pelos graves erros políticos que ainda estamos a pagar! Como admitir, fora do pior pesadelo, que o Partido do grande Abraham Lincoln (sim, Licoln era republicano!) viria a escolher o milionário populista Donald Trump para a presidência dos EUA? Não nos iludamos: seria uma dramática descida aos infernos… Como escreveu Teresa de Sousa “só Hillary afastará um cenário no qual ninguém quer ainda pensar. (…) E, já agora, depois de um presidente negro, chegou a altura de quebrar o último tecto de vidro, dando a uma mulher o lugar de “a mais poderosa do mundo”.
Mas o populismo e as agendas radicais não são um exclusivo da extrema-direita; são igualmente acarinhados e concretizados em doses massivas de propaganda e desinformação pelos partidos e movimentos de extrema-esquerda. Basta atentar no que se está a passar, perante o silêncio ensurdecedor da nossa esquerda radical, na Venezuela. Nicolás Maduro, esse “ditador de pacotilha”, émulo latino-americano do magnata-catatua Donald Trump, concentra poderes e põe tropa na rua. “Para tentar controlar um país que lhe foge das mãos, Maduro decretou o estado de emergência económica, ao passo que a oposição exige na rua a celebração de um referendo para destituir o Presidente” (Expresso, 21 de Maio, pág. 30). A desmedida de Maduro provocou choques com várias figuras da esquerda sul-americana. «Maduro está louco», concluiu o antigo Presidente uruguaio José Mujica. Por sua vez, Luis Almagro, secretário-geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), ex-MNE do Uruguai, aposta firmemente no referendo em 2016, “um imperativo de decência pública”. E invectivou Maduro nos seguintes termos: “Negar a consulta ao povo, negar-lhe a possibilidade de decidir, transforma-te em mais um ditadorzeco, como tantos que o continente já teve”. Na mesma mensagem acusou Maduro de trair o seu povo: “Nunca devolverá à vida as crianças mortas nos hospitais por não terem medicamentos, nunca poderá libertar o povo de tanto sofrimento, intimidação, miséria, desassossego e angústia”.
Tudo isto se passa à vista do mundo num país a caminho do estado de sítio, onde nasceram e vivem muitos luso-descendentes e portugueses que ali labutam duramente pela vida. E sem que se ouça um grito de revolta, claro e firme, da nossa extrema-esquerda parlamentar ou mesmo do PS.
O espaço não me permite avançar agora, como gostaria, para apreciar o “populismo” em Portugal. Remeto por isso os leitores para o artigo de Paulo Rangel, no PÚBLICO, de 24 de Maio, pág. 46, sobre a análise do populismo no PCP, no BE e no PS, “claramente alojado na ala bloquista que por lá campeia, mas hoje também instalado em algumas tiradas da máquina de propaganda do Governo Costa ”.
Lisboa, 25 de Maio de 2016

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