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Pontos de Vista – HÁ ONZE ANOS EM MADRID

Nota Prévia

Os atentados de 11 de Março de 2004, em Madrid, também conhecidos como 11-M, foram uma série de ataques terroristas cometidos em comboios e em estações da rede ferroviária da capital espanhola.

Num momento inicial o Governo do Partido Popular (P.P.), em funções, chefiado por José Maria Aznar, cometeu a imperdoável precipitação de atribuir a prática dos atentados à ETA. O resultado das eleições legislativas, que viriam a realizar-se quatro dias depois da tragédia, ficou inevitavelmente marcado por esse lamentável erro de julgamento. Na verdade, a investigação policial veio facilmente a concluir, a partir de indícios claros, que a autoria dos atentados coubera a uma célula islamita local que tentava reproduzir as acções da rede terrorista Al Qaeda.
Tratou-se do mais grave atentado cometido na Espanha até à actualidade, com 10 explosões quase simultâneas em quatro comboios na hora de ponta da manhã. Mais tarde, viriam a ser detonadas pela polícia duas bombas adicionais que não tinham explodido e foi desactivada uma terceira, que permitiu identificar os responsáveis. As bombas estavam no interior de mochilas carregadas com TNT.
As explosões ocorreram entre as 07.39 e as 07.42 horas da manhã nas estações madrilenas de Atocha (3 bombas), El Pozo de Tío Raimundo (2 bombas), Santa Eugenia (1 bomba) e num comboio a caminho de Atocha (4 bombas). As forças de segurança encontraram mais 3 bombas que estariam preparadas para explodir quando chegassem os primeiros socorros às vítimas.
Morreram 191 pessoas e mais de 1700 ficaram feridas. O comando terrorista foi encontrado e cercado pela polícia espanhola poucas semanas depois em Leganés. Os seus membros suicidaram-se fazendo explodir o apartamento em que se tinham entrincheirado, quando a força policial (GEO) iniciou o assalto. Nesta acção morreram todos os membros presentes da célula islamita e um agente do comando policial.

Foi, PARA MEMÓRIA FUTURA, que, há onze anos, escrevi o texto que, por não publicado, agora recupero.

«Ao serão, conversámos com os nossos Filhos – a Ana e o Pedro – acerca do horror do massacre do 11 de Março, em Madrid, e das consequências políticas que aquela cadeia de atentados terroristas acabou por ter nas eleições gerais do domingo seguinte.
Concordámos que, seria difícil, ou mesmo impossível, acabar pior um “mandato” de governo do que José Maria Aznar. Pela minha parte, até acho que, pela obra desenvolvida ao longo dos oito anos de governação, Aznar não merecia sair assim. O desenvolvimento entretanto vivido por Espanha, a luta consequente e corajosa contra o terrorismo interno da ETA, a prática de um poder político de mãos (aparentemente) limpas, traduzido na ausência (ou no desconhecimento público) de casos graves de corrupção – ao contrário do que acontecera na parte final do Governo de Felipe Gonzalez – justificavam, porventura, um “final” diferente para o líder que conduziu a obra.
Mas, em contrapartida, entendo também, e sem contradição, que Aznar mereceu a derrota que teve. É que não se pode mentir ao Povo, sem sanção, três vezes seguidas, como fizeram os políticos do P.P., vencidos nas eleições de 14 de Março.
Mentiram a propósito do “Prestige”, negaram a evidência da “maré negra” e as catastróficas consequências do afundamento do navio, ao mesmo tempo que censuravam as informações veiculadas pelos canais da televisão pública, assim obrigando muitos espanhóis a sintonizar a televisão portuguesa, dando crédito aos dados fornecidos pelo nosso Instituto Hidrográfico.
Mentiram a propósito da guerra do Iraque e da existência das armas de destruição maciça. É certo que a primeira responsabilidade de tal mentira – hoje já se pode qualificá-la desse modo – não pertenceu a Aznar, mas sim, antes do mais, à Administração americana do Presidente George W. Bush. Mas não deixa de ser também verdade que o Governo Aznar decidiu enviar para o teatro de operações do Iraque milhares de militares, contra a vontade manifesta da maioria do Povo espanhol. Fê-lo em nome de princípios e de valores que, em tese, posso compreender, mas que, na circunstância, não posso partilhar, em face da arrogância no desencadear da guerra, da marginalização das Nações Unidas e do desvalor revelado pelo bem precioso que é a VIDA. Ao fazê-lo – tal como, embora em bem menor escala, o Governo português também fez – um líder político responsável tem perfeita consciência do que arrisca, se vier a concluir-se terem sido erradas, ou superficialmente analisadas, as premissas que estiveram na génese da acção bélica que aceitou acompanhar.
Mentiram, enfim, na lamentável gestão da informação sobre a autoria do massacre, com a atribuição da responsabilidade dos atentados à ETA. Atribuição feita com excessiva convicção e mantida por tempo demasiado, mesmo depois de recolhidos elementos indiciários mais do que suficientes apontando a autoria no sentido de grupos terroristas islâmicos, ligados a essa “nebulosa” do terror e da MORTE que dá pelo nome de Al-Qaeda.
O P.P. espanhol mereceu, por tudo isso, perder. E, embora, em face da obra realizada, Aznar não merecesse sair humilhado e ofendido – ele que até foi pessoalmente vítima de um atentado terrorista de que saiu com a dignidade de um homem corajoso -, o certo é que a “sorte” ou o “azar” fazem parte da vida. Aznar não teve sorte, mas muito mais infelicidade tiveram as vítimas dos brutais atentados de Madrid, bem como as dezenas de soldados espanhóis que morreram num acidente aéreo, quando regressavam a casa, vindos do Afeganistão, bem como os oficiais de intelligence, mortos no Iraque.
Na política não há gratidão para sempre. Pelo contrário, a memória dos eleitores é curta. Bastará recordar Winston Churchill que, apesar do seu papel histórico enquanto primeiro-ministro da Grã-Bretanha entre 1940 e 1945, se viu eleitoralmente derrotado nas eleições imediatamente posteriores ao termo da II Grande Guerra.
Aznar – e o PP – pagaram o preço dos erros… e da falta de sorte. Mariano Rajoy foi, em grande parte, vítima por tabela e José Luís Zapatero o inevitável vencedor. Esperemos que, como Presidente do Governo, saiba conservar o que de bom tem sido feito em Espanha e alterar os erros cometidos. Sempre com a dignidade que é inerente ao carácter e ao génio do grande povo espanhol.
Negociar com o terrorismo, como, em má hora, preconizam alguns, é intolerável. Tentar explica-lo não é aceitá-lo ou sequer justificá-lo…
Como lapidarmente escreveu Pacheco Pereira, nas páginas do “Público”, de 25 de Março (de 2004): Se o terrorismo da Al-Qaeda nos interpela como niilismo, não é possível “falar com ele”, “explicá-lo”, “justificá-lo”, sem corroermos os fundamentos do nosso próprio modo de pensar. O terrorismo é para nós o absoluto Outro, a antimatéria. Se o acolhermos no nosso seio, pensando-o como qualquer outra coisa que não seja o puro niilismo, ele destrói-nos o pensamento, como nos destrói o corpo. Não se fala com a Morte, ponto final».

Ler também:  DOMINGO XXXIV DO TEMPO COMUM

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