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Pontos de Vista

A Lusofonia e a admissão
da Guiné Equatorial na CPLP

Como escreveu Adriano Moreira, “na história de todos os povos acontece que, em momentos críticos da sua longa caminhada, parece chegado o memento mori do colapso total”. E acrescenta: “A morte dos Estados, das civilizações e dos sistemas pode sobrevir (…) quando o desafio leva à renúncia e, tal como se passa com os homens, a morte é uma desistência e uma aceitação”. E, ainda mais adiante, observa que assim como os exércitos não admitem, em nenhuma parte do mundo, sofrer derrotas, também os políticos não gostam de aceitar culpas. Mas não há decisão política (ou militar) “que não tenha de prever e que não deva arcar com as consequências das consequências” dela decorrentes (“O Novíssimo Príncipe – Análise da Revolução”, Editorial Intervenção, 1977).
Ainda segundo Adriano Moreira, a Pátria não pode repudiar nada e a herança soma todas as grandezas e misérias. Nesta herança se encontra o activo e passivo de todas as épocas e gerações. A Pátria não tem processo de inocência. Reflecte todos os actos dos seus filhos. Portugal esteve mais de uma vez confrontado com a necessidade de fazer a sua opção existencial mas retomou a marcha, mudando os objectivos, adoptando novas metas e mantendo-se, assim, no sentido da sua história. Mas, como também pondera o Autor que vimos acompanhando, o balanço faz-se no fim. Por isso é que a Igreja festeja os Santos no aniversário da sua morte e não no aniversário do seu nascimento. Um estadista digno desse nome deve estar consciente de que o julgamento da História será impiedoso na avaliação das decisões políticas tomadas por oportunismo ou cobardia, à revelia do interesse nacional.
Mas, no meio da visão globalizante e uniformizadora da História, nos nossos dias, deve respeitar-se, na medida do possível, a especificidade dos espaços nacionais, a par do primado dos valores e do papel aglutinador da língua. Vem tudo isto a propósito da Lusofonia e da anunciada adesão da Guiné Equatorial à Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), que é aquilo a que podemos chamar o “rosto político” da lusofonia.
A Lusofonia é uma realidade em crescimento, a partir daquilo que, em qualquer fonia, é básico e essencial: a comunicação e o diálogo, que aproximam as pessoas e as instituições.
A dimensão da Lusofonia no mundo pode ser calculada de várias formas. Mais frequentemente costuma ser calculada, com a das outras fonias, a partir do número global da soma das populações dos oito países de fala portuguesa. Utilizando o critério tradicional da contagem global das populações, estima-se que, «a população dos países de língua portuguesa que era, em 1998, de 208.402.000 milhões, irá conhecer aumento significativo, prevendo-se que, no ano de 2025, atinja os 285.831.000 milhões de indivíduos».
A Lusofonia compreende também diferentes comunidades – maxime, de lusofalantes – que não constituem Estados ou Países. Embora em situações diversas, e em inúmeros lugares da diáspora, falam ou falaram português, suas variantes ou crioulos (a simples título de exemplo) a Galiza, Casamansa (no Senegal), ilha de Ano Bom, Ajudá (no Benim), Goa, Damão, Diu… Ainda nos são próximos os crioulos de Malaca e outros que seria agora fastidioso enumerar.
A 17 de Julho de 1996, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, rubricaram os documentos constitutivos da CPLP os Chefes de Estado e de Governo de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Na Declaração Constitutiva da CPLP é feita referência aos valores da Paz, da Democracia e do Estado de Direito, dos Direitos Humanos, do Desenvolvimento e da Justiça Social, e é apontado, entre outros, o objectivo de consolidar a identidade cultural nacional e plurinacional dos sete países de língua portuguesa. Timor-Leste viria a integrar a CPLP como oitavo Estado-membro, tendo constituído relevante factor de aproximação afectiva no seio da comunidade lusófona.
Porém, a adesão da Guiné Equatorial à CPLP, na próxima cimeira marcada para Timor, no final deste mês de Julho, constitui, a meu ver, um grave atentado aos valores essenciais da lusofonia e aos princípios fundadores da CPLP: a língua portuguesa e o efectivo respeito pelos Direitos do Homem. Trata-se, em suma, da adesão à CPLP de um Estado totalitário, de falantes de língua castelhana.
Como escreve Miguel Sousa Tavares, no “Expresso” de 5 deste mês, “a adesão do Estado criminal da Guiné Equatorial à CPLP, em troca de umas vagas promessas de negócios com petróleo e dinheiro para o Banif, é uma vergonha sem nome. Não apenas porque não existe nem nunca existiu um único falante de português na Guiné Equatorial, mas sobretudo porque estamos a falar de um país-pária na cena internacional, que aplica a pena de morte, as prisões arbitrárias e a tortura, um Estado totalitário em que o Presidente (Teodoro Obiang) e o vice-presidente seu filho, são alvos de mandados de captura internacionais pela forma como gerem o país”.
É, acrescento eu, uma vergonha que ninguém, desde o Presidente da República até aos partidos do Governo e ao principal partido da oposição, faça ouvir o seu indignado protesto contra um escândalo de dimensão nacional! Não se admite que, por razões de interesse material ou por deslocados complexos de antigos colonialistas, se permita que os interesses económicos se sobreponham aos princípios de um Estado que se revê na defesa e no respeito dos Direitos Humanos.
Onde está a dignidade de uma política externa consequente e corajosa? Ponham os olhos na política externa dos países escandinavos, que representam, hoje em dia, o farol mais luminoso do respeito pelos princípios civilizacionais de que o Ocidente se arroga fundador e patrono! Países que prosseguem desinteressadamente essa política, sem subserviências nem permissividades…
É certo que, como escreve Nuno Ribeiro, num artigo “justificativo” desta decisão que envergonha a CPLP e os seus Países-membros, publicado nas páginas do “Público” de 6 de Julho, “o mundo mudou e a CPLP está a mudar”. Mas essa transformação não pode fazer-se contra a nossa identidade e à revelia de uma presença digna e honrada no “mundo em mudança”. Não nos prostremos aos pés dos novos “Senhores do petróleo”!
Esta é uma indignação que faria vibrar corações apaixonados pela sua Pátria e fonte de inspiração, como o de Sophia de Mello Breyner Andresen, a quem a Nação rendeu a homenagem suprema, sepultando-a no Panteão dos seus Maiores. Por meu lado, talvez a transcrição de um poema da autoria de minha Mulher, escrito por ocasião da sua morte, em Julho de 2004, vos dê a medida da admiração e respeito que por tal lhe são devidos.

Ler também:  Tempo gramatical

A SOPHIA

Foi/ campo de letras/ rumoroso veio/ de sentido e senso
aberta ao sul/ e à voz altiva
ao vento que do norte/ lhe trouxe memória, razão e dor cativa
a leste o sol/ levantou por ela a adaga rubra/ do talento
mas foi ao doer da tarde/ à luz poente
que reuniu a piedosa e última ortografia/ de tudo o que escreveu
e que atento/ Deus a viu e a recolheu.

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