O V conjunto intitula-se Emoções,
dez poesias em que é mais nítido o envolvimento emocional, e mesmo erótico, do poeta. A epígrafe preambular é de Fernando Pinto do Amaral – «Não vás embora, / precisarei de mais alguns minutos, / horas, dias, semanas, meses, anos, / eternidades para te esquecer…». Referências explícitas podem encontrar-se na página 44, Cerejas: «Essas maduras cerejas / Que encaixilham tua boca / Dizem: Não me beijas? / Não é isso que desejas / na tua imaginação louca?» mas é o poema da página 45, Abraça-me, que melhor me parece sintetizar o espírito desta parte central.
Abraça-me devagarinho / como se fosse de manhã / à hora em que o sol se levanta / e tu cheia de carinho / me retiras docemente a manta / fresca, sadia e louçã.
Abraça-me com paixão / como se fosse meio-dia / e o sol em esplendor / deitasse sobre a bela flor / a seiva da brava alegria / e a semente da ilusão.
Abraça-me, não digas nada / como a noite fechada / que envolve a serra inteira / num beijo de melancolia. / Aspira a brisa derradeira. / Abraça-me… Já é dia?
Luarejos, divisão sexta, é como que um intervalo, uma espécie de repouso, um tomar de balanço, no percurso do bardo. São apenas cinco poemas, precedidos por uma citação de Miguel Torga – «E vão lá desdizer o sonho do menino / Que se afogou e flutua / Entre nenúfares de serenidade / Depois de ter a lua!». Todos eles têm a ver com a lua, ou o luar – mas o quarto, intitulado Tu, página 59, é uma pequena delícia:
Saio à rua / E no espesso nevoeiro / Entrevejo-te. Pareces-me nua. / Mas vista de mais perto / Entre as gotículas que joeiro / Finalmente acerto: / Não és tu, é a lua!
E assim chegamos à parte mais volumosa deste livro, a sétima, designada por Ocasionais, 29 poemas, precedida pelo seguinte excerto de Cecília Meireles: «O vento do meu espírito soprou sobre a vida. / E tudo o que era efémero se desfez. / e só ficaste tu que és eterno.» Este penúltimo conjunto de poemas de A (im)perfeição dos dias, sendo o mais extenso é também o mais variado e poderia mesmo funcionar como uma síntese de todo o livro, e quiçá de toda a poesia do autor.
Formalmente é aqui que comparece o primeiro dos dois textos em prosa poética que integram o volume. (O segundo é logo a seguir, mas já na última divisória do livro, Outonices, com referências explícitas a Alberto Caeiro e Ricardo Reis,) É aqui, na página 65, que figura o eco assumido do Camões lírico, interrogando-se o vate – A quem «cantarei de amor tão docemente?» – e utilizando aspas, como quem sabe dar o seu a seu dono.
Também aqui figuram as referências à liberdade – Em Abril, página 66 – e os títulos em latim: spes, esperança, nas páginas 68/69. O poema da página 77 parece-me ser uma espécie de resposta ao carme talvez mais famoso de Augusto Gil: «Batem leve, levemente / Como quem chama por mim…», a Balada da Neve, incluída no seu livro Luar de Janeiro. Mas José Manuel Monteiro tem, neste caso, o dom da concisão e não precisou de mais de duas sextinas para tratar o mesmo tema, Neve.
Caia lenta e breve / levada no vento vindo / do alto cume dos céus / envolta em ténues véus / ensaiando ao de leve / um breve bailado lindo.
Caía lenta e branca / de imaculada beleza / descendo sorrateira / caiando de qualquer maneira / sem porta nem retranca, / noivando a natureza.
E assim chegamos ao fim deste processo panorâmico, à vol d’oiseau como diriam os franceses, sobre esta primeira mas muito meditada realização poética de José Manuel Monteiro, um nome a fixar. É altura de terminar, mas não o quero fazer sem antes explicar o título que dei a este meu trabalho, «O sonho da perfeição». Mas pensando melhor, afinal, creio que não será necessário alongar-me em justificações.
Estou convicto que a qualidade da poesia que aqui apresentámos é, neste momento, óbvia para qualquer um de nós – mais firmemente estabelecida do que estas minhas hesitantes expressões que andaram à volta desse objectivo sem do mesmo jamais se terem assenhoreado.
Mas assim mesmo é que deve ser, a poesia está e vai sempre à frente, e sobrepuja em importância todas as paráfrases que, quais borboletas tontas, possam andar à volta dela, da luz que da mesma irradia. E é por isso mesmo que eu me atreverei a pedir a todos os presentes, dentro em breve, uma grande salva de palmas: para celebrar a poesia em primeiro lugar, esta linguagem divina que os deuses nos deram para nosso consolo e superação, e depois para felicitar José Manuel Monteiro por este seu tão conseguido labor. Francamente espero – e assim termino – que este vosso apoio possa ser o estímulo suficiente para ele se abalançar à publicação de outros títulos, já que, visivelmente, as necessárias qualidades não lhe faltam. O poeta está de parabéns, Apolo e as musas estão certamente satisfeitos.
*Apresentação pública do A (im)perfeição dos dias, de José Manuel Monteiro, na Amadora, na livraria da Editora Lua de Marfim, a 14 de Novembro de 2015.