O rei esquecido

Resolvi escrever hoje, num dia festivo por ser o dia em que normalmente se come um manjar, que no meu ponto de vista, é do que melhor tenho saboreado.

Estou a falar de roupa velha que no último dia santo do ano me aconchega o estômago e me faz esquecer uma outra qualquer iguaria, seja ela inovadora ou tradicional. Apenas sei dizer que é composto com as batatas, couves e bacalhau que sobraram da ceia do dia anterior. As voltas que leva não são da minha conta, pois apenas sou um dos que sento à mesa, sem que tenha nada a ver com as panelas que vão ao lume.
É por demais evidente, que para haver este material disponível assistiu-se no mesmo lar a uma ceia de Consoada bem tradicional, selecionando para o efeito os alimentos que entraram na ementa. Escolhem-se as melhores batatas, guardam-se as melhores couves e dentro do orçamento familiar, compra-se o bacalhau mais conveniente.
Aqui por as nossas bandas o bacalhau goza o título de rei na Consoada. A sua presença é obrigatória e como prato, tem de ser o principal. É também usado, antes de ser cozinhado, como oferta por empresas aos seus colaboradores e em outras situações na retribuição de uma qualquer fineza.
O que deixo dito, penso que é a opinião generalizada da esmagadora maioria dos portugueses espalhados pelo Mundo e até dos seus descendentes. Normalmente, eu sou dos que costumo estar com as maiorias, e a todo o custo evito estar contra a corrente do jogo. Mas aqui sinto-me na obrigação de dar voz a tudo o que sinto, e sem querer ser dono da razão, emitir a minha opinião sobre os produtos que sobem à mesa na ceia da Consoada. Sem querer ofender o meu amigo bacalhau, digo-lhe que não merece o título de rei, passando a documentar como tal o nosso áureo azeite.
Para a Fé Católica o azeite sempre foi um produto divino, tendo em conta que passou séculos a alumiar o Santíssimo no seu devido lugar, alimentou a chama da vida e até aos princípios do século XX foi quem nos tirou do obscurantismo.
Com uns olhos de azeite engordava-se o pobre caldo, bem como se untavam as batatas que para darem mais rendimento, se coziam com a pele, para serem depois peladas e assim entrarem no prato.
Posso dizer serviu sempre de amparo à humildade, ao ponto de uma tiborna num lagar de azeite se tornar uma dádiva sobrenatural para os menos afortunados. Este pitéu também é apreciado por quem nunca sentiu necessidade, mas é evidente que caía sempre melhor em quem tinha a barriga vazia.
O azeite, nas devidas proporções, sublima qualquer alimento, desde que não tenha como base outra gordura como é o caso do leite ou da banha. Para além de se poder comer cru, pode ser cozinhado de diferentes maneiras e comportar vários aromas no sentido de melhorar qualquer paladar. Como todos os produtos que vão à mesa na quadra natalícia, são da melhor qualidade possível não é difícil entender que estamos a falar de um “rancho melhorado”.
Também não deixa de ser verdade que com o decorrer dos anos o azeite foi subindo de qualidade, tendo para isso muito contribuído as condições da colheita da azeitona bem como as técnicas na transformação. Tudo isto faz com que se tenha no azeite uma gordura vegetal, aconselhada às mais saudáveis dietas. Além do mais estamos a falar de um produto bem português bem conceituado no Mundo, muito em especial no mercado da saudade.
Por tudo o que disse, parece-me de inteira justiça, que o nosso mais precioso líquido, com o seu preço bem acessível, seja dono e senhor da nossa noite de consoada, pois ilumina de forma soberba a tradição que vai à mesa.

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