O que comemoramos?
A semana passada foi uma semana de comemorações. No início, o 25 de Abril, no final, o 1º de Maio.O 25 de abril representa o primeiro passo dado num caminho para a liberdade que levou à instituição de um Estado de Direito em que, em tese, todos somos iguais perante a lei. Mas este 25 de Abril de 2021 foi um dia triste. Desvaneceu-se qualquer dúvida sobre a existência de uma esquerda que se julga dona da Av. da Liberdade e das regras e dos moldes em que se se vive a própria Liberdade. Afinal o 25 de abril tem donos. A Liberdade tem donos e há quem a queira só para si. Ou que a sua Liberdade seja diferente da Liberdade dos outros. Não tivesse havido também um 25 de Novembro e estes donos do 25 de abril seriam hoje donos de todos nós.É por isso que, desde sempre, preferi os que celebram Abril e Novembro aos que celebram apenas Abril.Abril foi apenas um princípio que Novembro afirmou. Foi em 25 de Novembro que se consolidou a democracia, esta democracia que temos.E sempre que celebrarmos a democracia e a liberdade é bom que nos questionemos sobre a qualidade dessas mesmas democracia e liberdade.Como tem sido tratada a liberdade em tempo de pandemia?Que democracia é esta em que os casos de corrupção estão presentes no dia a dia dos serviços noticiosos?Que democracia é esta em que um primeiro ministro é julgado por corrupção?Que democracia é esta em que a corrupção acaba em prescrição?Que democracia é esta em que o dinheiro da corrupção está livre de tributação? (dito por um juiz)Que democracia é esta em que a carga fiscal sobre os cidadãos atingiu 34,8% da riqueza produzida?Que democracia é esta em que 1 em cada 3 pessoas com emprego estável é pobre?Que democracia é esta que convive com cerca de dois milhões de pobres? Que democracia é esta que convive com Salgados, um que se chama Manuel e outro Ricardo?Que democracia é esta em que há hospitais sem médicos?Que democracia é esta que encerra escolas por questões economicistas e outros caprichos?Que democracia é esta quando falta transparência na administração central e local?Que democracia é esta em que a administração pública central e local não responde aos cidadãos em tempo útil?Que democracia é esta quando o interesse público não é defendido por quem assumiu esse dever?Que democracia é esta quando um país abandona cerca de 2/3 do seu território?Que democracia é esta que branqueou as ações de um grupo de assassinos, denominados Forças Populares 25 de Abril que, entre outras pessoas, matou um bebé de 4 meses à bomba, em S. Manços, e classificou o ato como “erro técnico”?O 1º de Maio homenageia a coragem dos trabalhadores que, neste mesmo dia, em 1886, iniciaram uma greve com o objetivo de conquistar melhores condições de trabalho. Nesse tempo os contextos em que se desenvolviam as relações laborais exigiam e exigiram que se desenvolvessem mecanismos de regulação do mundo do trabalho, o que foi sendo feito ao longo do tempo. Estes processos são sempre morosos e vão-se adaptando às novas realidades e às próprias dinâmicas desse mesmo mundo do trabalho, que devem ser entendidas como relações colaborativas entre empregados e empregadores. Alguns ainda as querem manter num nível antagónico para, dessa forma, alimentarem uma espécie de guerra latente que apenas visa favorecer ideologias anquilosadas e desfasadas da realidade.Chegámos, em 2021, a um tempo em que mais do que regular o mundo do trabalho, começa a ser pertinente regular o mundo do ócio. Não é por acaso que, hoje em dia, 1 em cada 3 portugueses que trabalham e têm emprego estável é pobre. Isto é algo de dramático. O objetivo que leva as pessoas a trabalharem é o de se empobrecerem? Isto soa a algo muito estranho, mas não acontece por acaso. Aqueles que ainda colocam as relações laborais num nível de “exploração dos trabalhadores pelo grande capital” são os mesmos que têm conduzido esses mesmos trabalhadores para uma situação de exploração dos trabalhadores pelo próprio Estado. Esse mesmo Estado que eles querem que seja grande, cada vez maior, que intervenha cada vez mais nas nossas vidas e que já nos leva 34,8%, em média, da riqueza que produzimos.São estes mesmos que se esquecem que há cada vez menos a produzirem para cada vez mais receberem sem nada fazer. Esta é a forma de exploração dos tempos modernos. Não é a exploração pelo grande capital, é a exploração pelo Estado e a exploração pelos ociosos.Talvez tenhamos que mudar o foco de algumas comemorações.