A recente visita do papa ao Iraque foi um gesto generoso, corajoso e cheio de símbolos.
Muitos, como Joe Biden, já a declaram de histórica e aqueles que a acompanharam de longe ficaram enternecidos com os gestos proféticos que foram transmitidos durante estes quatro dias desta terra mártir, desde há tantos anos. Diz o Papa, na conversa com os jornalistas de regresso a Roma, que esta viagem foi decidida quando recebeu Nádia Murad, a jovem yazidi, em 2017, Prémio Nobel da Paz de 2018, ao inteirar-se do sofrimento por que passou nas mãos do grupo terrorista Daesch. Francisco não deixou de lembrar este povo, logo no primeiro dia da sua viagem, ao afirmar que os Yazidis, têm sido vítimas inocentes duma barbária insensata e desumana, perseguidos e mortos por causa da sua filiação religiosa.Em todos os passos desta peregrinação ao berço das religiões monoteístas, o Papa Francisco deixou-nos palavras e gestos que vale a pena lembrar.Logo no primeiro dia, o Papa visitou o lugar do martírio de 48 cristãos, assassinados pelo grupo terrorista islâmico, a 31 de outubro de 2010, na Catedral Nossa Senhora da Salvação, em Bagdade e cuja causa de beatificação está em andamento. Refere o papa que “a sua morte lembra-nos fortemente que o incitamento à guerra, os comportamentos de ódio, a violência e o derramamento de sangue são incompatíveis com os ensinamentos religiosos”.No segundo dia, o papa foi a Nadjaf, para um encontro histórico, designado de cortesia, com o grande Ayatollah al-Sistani, o líder xiita do Iraque. Embora não havendo jornalistas neste encontro, a foto que foi divulgada é verdadeiramente simbólica: dois homens, um vestido de preto e outro de branco olham-se enternecidamente e comungam de um sentimento de fraternidade, desejosos de estabelecerem a colaboração e a amizade entre as comunidades religiosas para que, cultivando o respeito e o diálogo, se possa contribuir para o bem do Iraque, da região e de toda a humanidade.Outro lugar histórico carregado de simbolismo foi o encontro inter-religioso em Ur, onde o Papa teria feito o discurso mais importante desta viagem. Francisco referiu-se a Ur como o lugar abençoado que nos “faz pensar nas origens, nos primórdios da obra de Deus, no nascimento das nossas religiões. Aqui onde viveu o nosso pai Abraão, temos a impressão de regressar a casa.” Foi aqui que teve início “uma viagem que mudaria a história”. “Os descendentes de Abraão sentem que a sua função primeira é ajudar os outros a elevarem o olhar para o céu.”Nesta mensagem em Ur, o Papa recordou também o país ao lado, a vizinha e atormentada Síria.No último dia da visita, o Papa foi a Mossul, Qaraqosh e Erbil, dedicado às vítimas e à memória do terrorismo. Na catedral da Imaculada Conceição, em Qarakosh, que foi usada como campo de tiro pelo Daesh e destruída, o Papa exortou os presentes: “Quantas coisas foram destruídas! E quanto deve ser reconstruído! O terrorismo e a morte nunca têm a última palavra!”Por último, o Papa quis propor uma solução, insistindo na mensagem bem cristã que é o perdão. Como construir este país senão através do perdão? “O perdão é necessário por parte daqueles que sobreviveram aos ataques terroristas. Perdão é esta uma palavra-chave.”Também em Erbil, o último ato do Papa, onde puderam participar mais pessoas e o mais festivo, Francisco dirigiu-se especificamente aos cristãos: “É preciso resistir à tentação da vingança que leva a uma espiral de retaliações sem fim”. E ainda. “Se Deus é o Deus da vida – e é-O—, não nos é lícito matar os irmãos em Seu nome. Se Deus é o Deus da paz — e é-O —, não é lícito fazer a guerra em Seu nome. Se Deus é o Deus de amor — e é-O —, não nos é lícito odiar os irmãos. Houve ainda dois gestos simbolicamente importantes: o Papa quis encontrar o pai de Alan Kudi, o menino que foi encontrado morto numa praia da Turquia e cuja fotografia difundida pelos medias mostrou a tragédia dos refugiados. O segundo gesto foi a entrega de um livro, o Sidra, um livro histórico e sagrado dos Séculos XIV e XV, que a comunidade cristã local conseguiu livrá-lo da destruição do Daesh e que os serviços do Vaticano restauraram. Escrito em aramaico, contém orações que se recitam entre a Páscoa e o dia de Santa Cruz. O Papa entregou-o também ele como um “livro refugiado”, tal como aqueles que escaparam à guerra e ao “genocídio cultural”.