O Papa Francisco é de esquerda?
Alguns, para desacreditar o Papa, pretendem classificá-lo de marxista, tendo sobretudo em conta as duas últimas encíclicas, Laudato si e a que acabou de ser publicado, a Fratelli Tutti. O que o papa tem feito é denunciar o excesso do capitalismo, “esta economia que mata”, o que tem incomodado a direita americana que o acusa e o classifica de marxista. Mesmo a cadeia americana Fox News já o qualificou como o homem mais perigoso do planeta. A estes também o Papa tem respondido da mesma maneira: para mim é uma honra que os americanos me ataquem. Nestas encíclicas o Papa aborda a economia, dentro do pensamento social da Igreja que reconhece a dignidade da pessoa e o seu espírito de iniciativa. O Papa Francisco aproxima-se da doutrina inspirada do ortoliberalismo que é uma corrente económica desenvolvida em Friburgo (Alemanha) na primeira parte do século XX, a qual favoriza a livre iniciativa, mas preconizando a redistribuição dos bens sem penalizar aqueles que pretendem empreender. É um meio termo económico, um justo equilíbrio, longe do ultraliberalismo actual.O Vaticano está muito ao corrente do que se passa em todo o mundo, ao nível da base. Os seus padres e religiosos estão em contacto directo e permanente com o povo. Por vezes o diagnóstico que faz antecipa os serviços secretos dos outros países e até os influencia. Não foi por acaso que a encíclica Laudato si foi publicada antes da Cimeira da COP 21 e esta última, a Fratelli Tutti, vem a lume um mês antes das eleições americanas, como para alertar as consciências sobre os riscos que poderão gerar as crispações identitárias e os nacionalismos duros.Acusam também o papa de se aproximar da teologia da libertação, pois proveniente que é da América latina onde esta corrente nasceu, após o Concílio Vaticano II e a Conferência de Medelin, estaria certamente imbuído desta corrente filosófico-teológica.Não, o Papa não é marxista nem marxisante, pretendendo utilizar as classes sociais, colocando-as umas contra as outras. Francisco serve-se antes da sua experiência argentina e utiliza a sociologia do povo, inspirando-se do seu passado argentino. O que define um povo não é o seu nível de vida, mas a sua forma d’identidade. E a Argentina dá-nos esse exemplo, pois apresenta-se como um povo em que as camadas de gerações que o povoam e que provêm de várias latitudes, não se sobrepõem umas às outras, mas formam um conjunto coeso que constitui o povo argentino, constituído de migrações europeias, particularmente italianas, espanholas e aborígenes. Contrariamente ao marxismo, o povo não deve ser guiado por uma ideologia exterior, mas é o próprio povo que deve encontrar o seu caminho. Francisco acredita que as boas ideias vêm da base. Ele pretende ser o pastor que segue o rebanho. Não é ele que dita qual é o caminho, mas são as ovelhas, que formam o povo, que têm o melhor faro para encontrar as sendas mais adequados, afastando-se dos nacionalismos estreitos e da cultura descartável que se desenvolvem em todo o lado.