DOIS DEDOS DE HISTÓRIA
O Palazzo Ducale de Veneza não se pode considerar como uma construção de um só bloco embora o aparente. A diferença de cores dá a entender que o edifício gótico de tijolo está separado do renascentista de pedra branca. Para além de terem sido construídas em épocas diferentes, as partes do edifício demonstram as suas três funções: palácio do Doge, sede do município e tribunal.
A parte mais antiga é a que se encontra junto à água, tendo sido a partir daí que o edifício foi crescendo.
Ao contrário das residências de outros governantes europeus do século XIV, o palácio ducal de Veneza não possui quaisquer fortificações. Este pormenor significava, para qualquer visitante, que a cidade não possuía discórdia entre as várias classes sociais, pelo menos que motivasse sensação de insegurança física aos governantes.
Numa das arcadas mais antigas do palácio destaca-se um relevo de traceria que representa a Justiça. É a primeira representação pública de uma alegoria da cidade e cedo se tornou um dos símbolos mais estimados da República. De facto, os venezianos consideravam a Justiça como uma das principais virtudes da cidade. Prova disto é a Boca do Leão, uma espécie de caixa de correio onde podiam ser depositadas denúncias anónimas acerca de injustiças, tais como o não pagamento de impostos, a corrupção ou desvio de dinheiros públicos ou outros atos considerados ilegais na época.
Outro pormenor importante e cheio de significado é a Escadaria dos Gigantes, assim denominada por possuir no topo duas estátuas colossais, representando Marte, o deus romano da guerra, e Neptuno, o deus romano dos mares. No fundo dois símbolos de Veneza: as guerras que tinham de travar pela defesa do império e o domínio dos mares. Esta escada, encimada pela figura do leão de São Marcos, símbolo do santo e da própria cidade, detinha um papel muito importante pois nela se realizavam as faustosas cerimónias de coroação dos doges. Numa cerimónia típica de coroação, o doge empossado, rodeado de senadores e conselheiros, prestava juramento à cidade de Veneza e às suas leis do cimo do patamar superior da escadaria. Após o juramento, o conselheiro mais jovem colocava-lhe na cabeça o camauro, uma touca de fio branco, e o mais velho investia-o com a capa e a coroa.
A escadaria, sumptuosamente ornamentada, desempenhava também outra importante função. Nela decorriam as receções às mais destacadas individualidades.
Símbolo de alguns costumes democráticos, ou abertura ao povo, todos os cidadãos tinham livre acesso ao pátio e aos dois primeiros pisos do palácio.
Abaixo destes pisos ficavam os gabinetes e os ministérios secundários, além das celas da prisão. Mais tarde, em 1560, foi construída uma nova prisão a que se podia aceder através da ponte dos suspiros, assim conhecida por, diz a lenda, os prisioneiros soltarem suspiros já que, pela última vez, poderiam ver a luz do sol e a liberdade que ficava lá fora. Na verdade, as prisões venezianas tinham uma terrível má fama no seio de uma Europa onde os direitos humanos nem sequer faziam parte da mentalidade vigente.
O facto de o palácio albergar diferentes serviços e funções fazia com que, consoante o motivo da sua vinda, o visitante fosse conduzido por diferentes escadarias, corredores e salas de espera até chegar ao destino. Este caminho destinava-se também a impressionar os visitantes pois passava por locais com luxuosa decoração, que evocava a riqueza, o poder e as virtudes de Veneza. Tipicamente, os caminhos estavam também decorados com retratos de funcionários, o que servia para reforçar o prestígio, a tradição e a continuidade da república veneziana.
Talvez a sala que mais impressione os visitantes seja a Sala do Grande Conselho. Aqui se reunia o referido conselho, sendo permitida a entrada a todos os nobres com idade superior a 25 anos. Por isso era considerada um salão parlamentar, embora os membros não fossem eleitos pelo povo. Nesta sala podem contemplar-se os primeiros 76 doges de Veneza. Para além das magníficas pinturas das paredes, o magnífico teto tem um óleo sobre tela de Jacopo Tintoretto, denominado “A submissão voluntária das províncias”, pintado entre 1578 e 1585. Tal como indica o título, o tema da pintura reproduz a submissão das províncias venezianas. Entre as nuvens aparece uma mulher, que simboliza Veneza, que tem a seu lado o leão de São Marcos com a coroa de louros na boca. O leão parece entregar o símbolo da vitória a Veneza de modo a esta o poder oferecer ao doge.