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O Mingo da Argentina

Não será fácil colocar um nome naquele simpático amigo e parente a viver na Argentina, em San Miguel del Monte, por quem tive sempre uma grande empatia.

Para uns é o Mingo de Vale de Espinho, para outros é o Mingo de Zárate, o Mingo da Argentina, o Mingo das “gomas” (pneus), o filho do Caracinho, enfim, simplesmente o Mingo.
O Mingo fez parte da grande leva da emigração dos habitantes de Vale de Espinho para a Argentina nos anos quarenta do século passado.
Apenas com 18 meses, viajaria mencionado no passaporte do pai que incluía também o nome da mãe, e os funcionários da Alfândega trocaram-lhe o nome, como a tantos outros.
Crescera à sombra do pai num ambiente português, nas terras planas e produtivas de Zárate, ao norte de Buenos Aires. A terra era generosa e fértil, mas era necessário trabalhá-la. E a isso a família Caracinho não se esquivava. Ver a profusão de legumes e de cereais que brotavam naquelas planícies era um autêntico antídoto que os levava a esquecer as leiras estreitas, pedregosas e improdutivas encrustadas nos contrafortes da serra da Malcata.
Naquelas terras, quanto mais se trabalhava, mais se produzia e mais se amealhava. E o Mingo cresceu depressa e quase nem chegou a gozar a adolescência porque, naquele tempo, passava-se logo da infância para a idade adulta. O pai não lhe consentia divertimentos, tendo em mente a miséria arriscada do contrabando na aldeia. Agora eram outros tempos, outras oportunidades e todos deviam colaborar, grandes e pequenos.
Não admira pois que o Mingo cedo se esquivasse ao poder quase tirânico do pai e abandonasse o rígido ambiente familiar para tentar voar pelas suas próprias asas.
Alegre, hábil, inteligente, eram precisamente essas qualidades que os empregadores desejavam ver nos jovens para servirem as imensas necessidades da grande Argentina. E o Mingo encarrilhou no universo dos pneus para camiões, para tratores, para veículos que percorreriam a imensidão daquele país que lhe abriria as portas e onde tudo era possível.
Foi muito ativo na firma de pneus « Neuman » em toda a região de Buenos Aires. Lançou-se também na « Antártida Argentina », alargando os seus horizontes para lá da Província de Buenos Aires. Chegava a fazer 600 km por dia para atender clientes em Lobos, Saladillo, Bragado. E, mesmo agora, já reformado, está sempre atento a oportunidades que não lhe deem muito trabalho, pois, quando se conhece o mercado, com um simples telefonema, conseguem-se fazer excelentes negócios.
O Mingo também não negligenciou a comunidade em que está inserido. É muito querido e conhecido no lugar onde vive há várias décadas. As suas duas filhas, uma psiquiátrica e outra dentista, dispõem de um edifício que o próprio Mingo construiu, mesmo ao lado de sua casa, transformado em consultórios onde acorrem pacientes oriundos de toda a região.
Foi também durante alguns anos Presidente do Clube de Pesca na extensa lagoa de San Miguel del Monte onde é praticada a pesca desportiva e também o campismo e lazeres náuticos, sem esquecer os famosos piqueniques com as deliciosas carnes assadas de vacas da Pampa ou de cordeiro patagónico.
O Mingo sabe receber, sabe criar um ambiente onde todos estão à vontade em sua casa e onde a churrasqueira ocupa o lugar central num coberto do jardim. É um bom conhecedor dos vinhos argentinos provenientes das boas caves de Mendoza, de San Luís ou mesmo da Patagónia. Antes de passarmos à mesa, mostrou-nos o pequeno frigorífico onde se encontrava a sua seleção preferida. De pouco o poderia aconselhar, mas foi ele que tomou a iniciativa de escolher um Cabernet – Malbec dos “Viñedos da Família Catena de Mendoza”. Não há nada a fazer, temos de ter confiança em quem conhece.
A mesa já tinha sido posta pelas filhas e pela dona da casa.
Havia um segundo anfitrião, um tal Horácio, edil, professor e empresário, que, por afinidades familiares, irá prosseguir a têmpera e o convivial ambiente reinante nesta casa. Foi ele que encontrou o momento de apresentar na mesa o pratão de carne assada, também designada por “bife de chorizo” colocado em frente do Mingo que já estava com a faca afiada para a repartir e distribuir pelos convivas.
Melhor ambiente não haveria para recordar as numerosas famílias que vieram da aldeia para a Argentina, para Bragado, Sárate, Pontevedra, Buenos Aires, os tempos difíceis da adaptação naquele país, os parentescos, os casamentos, os regressos.
O Mingo estava nos seus dias felizes, com a família, com um parente que, embora residindo em Buenos Aires, nunca tinha visto e com outro que não via há vinte anos. Instintivamente, acendeu um charuto cubano ou da República Dominicana e emaranhou-se nos eflúvios odorantes de um tabaco natural e selvagem de que sempre gostou.
Brindou-se à saúde de quem vem, de quem está, dos que estão longe, dos que já faleceram e projetaram-se reencontros, mas para isso é necessário transpor o oceano Atlântico, ter ainda energias para uma viagem de alguns dias até chegar à aldeia, esperando que a Argentina não desvalorize demasiado a sua moeda porque a concretização e a realização dos sonhos assim o requerem.

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