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O CASAMENTO DO DOGE COM O MAR E OUTRAS HISTÓRIAS DO SEU PODER EM VENEZA

DOIS DEDOS DE HISTÓRIA

Sob o título de Doge de Veneza se reunia poder, glória e algo de mais misterioso. Na realidade, o significado do seu poder supremo, as influências e os meios de que dispunha permaneciam ocultos sob uma máscara de pompa e cerimónia.
Quando o estado veneziano se encontrava em formação, nos primeiros séculos de existência os doges detinham um poder quase ilimitado e o poder passava de pai para filho. A partir do século XII, o poder municipal começou a ascender e o doge passou a ser eleito por aclamação da assembleia do povo de Veneza, o Arengo.
Mais tarde institui-se o Grande Conselho, composto por personalidades, os Sapientes, que acediam ao cargo pelos seus conhecimentos e pelos seus bens.
A partir da altura em que ingressavam, os membros do conselho eram considerados nobres, o que vem estabelecer diferença na tradição instituída, já que os títulos eram dados por reis ou imperadores. Os nomes das famílias suscetíveis de integrar o conselho eram inscritos no Libro d’Oro, onde constavam as respetivas datas de nascimento e de casamento.
Ao longo do século XIII e até ao final da República, o doge foi perdendo influência ao mesmo tempo que a nobreza se tornava grande detentora de poder. Deste modo, tornou-se cada vez mais prisioneiro da sua dignidade.
O doge recebia uma espécie de soldo, mas que mal chegava para os seus gastos. Por outro lado, não podia manter negócios privados, de modo que ser rico era uma das primeiras condições para se ascender ao lugar. Não lhe era permitido sair do palácio, a não ser nas ocasiões festivas ou em caso de guerra. Nenhuma carta que escrevesse podia sair do palácio se não tivesse pelo menos a assinatura de quatro membros do conselho e os seus filhos e netos só podiam integrar os ministérios da cidade mediante autorização do Conselho, o que também era necessário para se casarem com filhas de dignitários estrangeiros.
Em Veneza existia também o Conselho dos Dez, uma espécie de serviço secreto com poder judicial, criado fundamentalmente para combater as inúmeras conspirações do século XIV, e que era muito temido em toda Europa. A sua principal função era combater os inimigos interno da cidade.
Devido às suas características, o Conselho dos Dez celebrava as suas sessões quase sempre de noite, vestidos de preto, e em segredo. Praticavam a tortura nos interrogatórios e não permitiam a presença de qualquer testemunha. Para serem mais eficazes, todas as investigações tinham de estar concluídas no prazo de dois meses e, nos casos mais complicados, podiam recorrer a mais conselheiros. As votações de atribuição de culpa eram sempre repetidas cinco vezes, e, caso raro, se não se conseguisse um veredicto unânime, o prisioneiro era libertado.
Era prática em Veneza a alteração frequente de leis, o que acontecia quase sempre que mudava o governo local. De tal modo que a maioria dos membros do governo abandonavam os seus cargos ao fim de um ano ou, por vezes, de seis meses. No final da República, este procedimento fez com que as diferentes instituições da cidade se encontrassem bloqueadas e impedidas de tomar decisões.
Contudo uma particularidade pode justificar o êxito do sistema de governo veneziano, que se prolongou por mais de mil anos: as famílias tradicionais e os nobres conheciam-se de perto e mantinham estreitas relações, seja por motivos económicos, de guerra ou por integrarem as Scuola, de modo que as decisões políticas eram preparadas e tomadas através de contactos pessoais.
O doge era também protagonista de uma tradição que unia o poder espiritual e o temporal. A cerimónia do casamento do doge com o Mar era realizada anualmente e era considerada a mais importante das tradições venezianas. Na cerimónia, o doge embarcava no Bucentauro (que significa barco de ouro), um dos navios mais luxuosos da História usado pelos doges nas receções oficiais e para celebrar festas religiosas. Media 35 metros de comprimento, por 7 de largura e 9 de altura. Possuía 42 remos para 168 remadores, sendo necessários 4 homens para cada remo. Tinha dois andares, o segundo forrado a veludo vermelho, com 90 cadeirões e 48 janelas. Era este o local onde estava o trono do doge e que podia albergar até 200 pessoas. Estava decorado com estátuas e objetos preciosos e coberto de ouro e cristais.
O Bucentauro, esculpido e folheado a ouro, elegante com as suas tapeçarias pendentes do tombadilho, transportava a figura majestosa do doge em trajes de gala, revestido do barrete frígio, acompanhado do famoso Conselho dos Dez, dos altos membros do Clero e das damas e cavalheiros da aristocracia veneziana.
A cerimónia do casamento com o mar comemorava a ascensão do doge ao trono. Efetuava-se depois da solenidade que decorria na Basílica de São Marcos, quando o doge e seus convidados embarcavam para uma volta pela laguna. Durante a viagem, um grupo de músicos tocava madrigais. Ao passar no convento de Santa Helena, embarcava o patriarca de Veneza, que abençoava o mar. No final da viagem, o doge lançava o seu anel às águas, simbolizando o domínio de Veneza sobre o mar (económico e militar). Nesta altura dizia “Desponsamus te, mare, in signum veri perpetuique domini “(Casamos contigo, mar, como símbolo do verdeiro e eterno domínio) e declarava que Veneza e o mar eram apenas um.
O último Bucentauro foi destruído por ordem de Napoleão, em 1798, para pilhar os seus tesouros.

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