A onomástica não se impõe apenas porque matéria sólida haja.
O nome tem que ser rebuçado, dondo, cantochão, ritmado por timbres nasais. Veja-se Napoleão, Obama, Santana – Ah!, as Santanetes!… Já ‘Sócrates’ não conseguiu impor as sonoridades da sua graça, conquanto sonoras as suas graças fossem!
E assim se foram criando alguns neologismos, por algumas personagens ou circunstâncias de romances, que até se vincularam, firmando-se para a posteridade.
Recordo “A Palavra Mágica”, de Vergílio Ferreira. Numa troca de palavras entre o Silvestre e o Ramos da loja, o primeiro atirou que um cavador era mal pago, ao que fazia. O Ramos considerou que o outro não tinha autoridade para tanto, e daí a crisparem-se foi um zás. A coisa incandesceu quando o Ramos largou, à queima, que o Silvestre, afinal, era um inócuo. O outro deu de alertas com a palavra e logo ali a transformou, retribuindo o epíteto, já de pantanas: ‘Inoque será você’. Em boa verdade, nem um, nem outro sabiam o significado do pomo. “Também o Ramos não via o fundo ao significado de ‘inócuo’. Topara por acaso a palavra num diálogo aceso de folhetim e gostara logo dela, por aquele sabor redondo a moca grossa de ferro, cravada de puas. Dois homens que assistiam ao barulho partiram logo dali, com o vocábulo ainda quente da refrega, a comunicá-lo à freguesia: – Chamou-lhe tudo, o patife. Só porque o pobre entendia que a jorna de um homem é fraca. Que era um paz-de-alma. E um inoque. Queria ele dizer na sua que Silvestre não trabalhava, que era um lombeiro, um vadio.”
A partir daqui, a palavra galgou tudo o que era estrema, passando a designar o que imaginar se possa – lambão, safardana, bêbedo…, mas sempre por distâncias ao original – nunca ‘inofensivo’, como lhe era devido.
Incontornáveis por estes domínios, Mia Couto e João Guimarães Rosa!
Também Eça por aqui inflecte; põe na boca de Ega um convite a Carlos: “Eles desejam conhecer-te, sobretudo a condessa faz empenho… Gente inteligente, passa-se lá bem… Terça-feira vou-te buscar ao Ramalhete e vamo-nos «gouvarinhar». A Gouvarinho era “uma senhora inglesada, de cabelo cor de cenoura, muito bem feita (…)” e Carlos “achava-a picante, com os seus cabelos crespos e ruivos, o narizinho petulante (…)”. O verbo logo se alcandorou por contornos cálidos, lascivos, delirantes, com cútis amaciadas, gemidos fundos e intensos. Carlos conjugou-o até à exaustão – e breve se exaustou, que a ruivinha revelou-se-lhe uma mulher vulgar – nas barbas do marido corno, um conde influente, vaidoso e boçal. Já ela conseguiu escapar a uma sova generosa do cuco, por conta, pois que o manso era poucochinho e de memórias atraiçoadas, nunca se apercebendo que as hastes lhe floresciam ramalhudas: “Coitadíssimo!”.
Fialho, verdadeiro mestre do idioma, renovador imenso da língua, criou palavras como ‘cigarrear, artisticar, tatibitatear, galicismar’.
Mas não carecerá recuar no século para que se encontrem hoje neologismos esborrifados por polissemias. Olhai comigo! Vêde esta maravilha polissémica: Pelé e G’lamba! Donde provém G’lambar, G’lambada, G’lambozino, G’lambão, entre outros de sentido diverso, mas sempre dentro de campos semântico-lexicais remelentos e túrbidos. Há-de entrar em lexicotecas por património linguístico.
Eis que estou maravilhado: Que Riquezas!