Pontos de Vista
Hesitei, como tantas vezes acontece, sobre a escolha do tema desta crónica. É que são variados os acontecimentos da maior gravidade e dramatismo, actualmente em acelerado desenvolvimento, que poderiam justificar uma reflexão no âmbito da situação internacional.
Por um lado, a rápida propagação do vírus de Ébola que já atingiu, à data em que escrevo, cinco países da África Ocidental, com o cortejo de vítimas e com o perigo de um alastramento sem controlo da epidemia.
Em segundo lugar, o agravamento do conflito militar no Leste da Ucrânia e a intervenção cada vez mais ameaçadora por parte da Rússia, configurando uma possível escalada de consequências absolutamente imprevisíveis e assustadoras, podendo chegar ao extremo de uma guerra que atinja profundamente a Europa e o Mundo.
Por fim, a crueldade dos episódios trazidos ao nosso conhecimento, em vídeos divulgados pelo You Tube, tais como decapitações, pessoas queimadas vivas, execuções em massa e a sangue frio, protagonizados, em especial, pelos jihadistas radicais do Estado Islâmico (EI), na Síria e no Iraque, sem esquecer os crimes de guerra cometidos pelos militares do regime de Bashar al-Assad, levam-nos a questionar se ainda será possível erguer fronteiras que possam defender a Humanidade contra a barbárie ou separar a luz da razão das trevas do fanatismo e do terror.
De um lado – e Deus permita que tais cenários não se concretizem -, podemos estar perante a iminência de um conflito militar de dimensões e efeitos continentais; do outro, perante uma espiral de violência terrorista global.
Optei, porém, e mais uma vez, por um tema da atualidade nacional, que, neste tempo, ainda de férias, tem preenchido muitas páginas de jornal. Refiro-me aos encontros organizados por jovens com recurso às redes sociais, que são conhecidos por meets. Julguei melhor recolher-me numa matéria com perspectivas sociológicas relevantes, baseadas em novos paradigmas de contacto e intercâmbio entre os jovens.
“Meet” é a abreviatura de meeting, palavra que, como se sabe, significa “encontro” em inglês. Estes encontros já se realizam no nosso País desde 2012. Trata-se de eventos promovidos e organizados por adolescentes através das redes sociais – primeiro pelo Twitter e, actualmente, com maior divulgação, através do Facebook. Aproveitando as “redes de amigos virtuais”, conseguem mobilizar em muito pouco tempo largas dezenas ou, até, centenas de jovens, desejosos de visibilidade e convívio, nos locais pré-anunciados.
Começaram por ser encontros de adolescentes de famílias de classe média, tendo passado a constituir iniciativas de miúdos de bairros pobres e problemáticos, residentes, muitas vezes, na periferia das grandes cidades, maioritariamente de raça negra. A temática dos meets veio para as primeiras páginas dos jornais depois da reunião no Centro Vasco da Gama, em Lisboa, no passado dia 20 de Agosto, marcada por problemas de intranquilidade social e de violência entre meeters e forças de segurança. A atenção dada ao assunto tornou o tema muito mais mediático e aumentou a visibilidade das iniciativas entretanto convocadas. De acordo com o psicólogo Luís Fernandes, “se os media não falassem nisso, o meet só dizia respeito aos participantes”. Afirmação discutível, diga-se, desde logo porque tais “encontros” não deixariam de afectar os cidadãos que pacificamente transitassem pelos locais onde os mesmos decorressem. Segundo o referido investigador na área dos comportamentos desviantes, os meets “são a resposta à necessidade que os adolescentes têm de se tornarem visíveis aos olhos da sociedade”. Na sua origem, acrescenta, “não há nada de racista. O racismo constrói-se depois nas mensagens que vão aparecendo sobre o assunto”. Daí o alerta que faz para “o risco de a atenção policial e mediática poderem, essas sim, exacerbar os ânimos e transformar meros convívios em manifestações de protesto”.
Reconheça-se, porém, que esta posição está longe de ser consensual. Na verdade, estamos perante um tema fraturante, capaz de dividir as pessoas no entendimento que fazem da génese e realização destes encontros, mormente quando reúnem um número muito elevado de jovens em centros comerciais ou em espaços públicos, como foi o caso do concerto do músico angolano Anselmo Ralph, no encerramento das Festas do Mar, em Cascais, no passado dia 23 de Agosto. É que é elevado o potencial de risco de violência que pode brotar de tais eventos!
São, assim, compreensíveis as precauções das forças policiais, às quais cabe um papel preventivo e dissuasor, com uma presença, tão discreta quanto possível, mas atenta e interveniente sempre que as circunstâncias o justifiquem. Na verdade, não poderão esquecer-se as convocatórias dos meets com palavras provocatórias, a possibilidade de infiltração de marginais entre os participantes, o aproveitamento dos eventos para a prática de actos criminosos contra pessoas e bens, a violência ou ajustes de contas entre bandos rivais… Para prevenir e reprimir tais eventualidades é que existem as forças policiais. Mas – e essa é a outra face da moeda – devem evitar-se histerias securitárias e conotações de natureza racista.
Por parte dos media, é recomendável uma atitude pedagógica (ou, pelo menos, não demagógica) e um posicionamento responsável e informado. Cabe à comunicação social estudar o fenómeno: reflectir sobre as ocupações, anseios e fragilidades dos jovens, sobre a dificuldade de “reconhecimento e inscrição social” dos adolescentes oriundos de classes mais carenciadas num mundo dominado pelos contactos com amigos virtuais, através das redes sociais. No tratamento do tema, devem os media recusar a exploração dos medos das pessoas mais velhas e evitar a criação de um clima de insegurança social ou de preconceitos xenófobos. Neste, como noutros assuntos, merece severa crítica a prática de um jornalismo sensacionalista, obcecado pela divulgação, ampliação ou pura distorção interpretativa de acontecimentos que promovam a venda da “informação”. Alguns jornais com divulgação nacional não sentem rebuço em recorrer à sugestão malévola, ao empolamento dos factos, até a previsões catastrofistas, assim fabricando um clima propício à febre securitária. Quem não se lembra da criação pelos media, em 2005, de uma versão portuguesa de um “arrastão” na praia de Carcavelos? Em plena silly season, nada melhor para “vender papel” do que interpretar os novos comportamentos de massas à luz de eventos violentos, ocorridos em diferentes latitudes, como é o caso dos “arrastões” nas praias do Brasil ou das violências criminosas dos encontros (rolezinhos) dos jovens das favelas nos shoppings de São Paulo.
Estudem-se os fenómenos sociais, analisem-se as reais motivações destas novas formas de convivência, protejam-se, quando for realmente caso disso, os cidadãos indefesos contra a insegurança gerada por alguns jovens violentos ou marginais, mas não se façam extrapolações incorretas, e, sobretudo, respeite-se o melindre da adolescência que deverá ser compreendido e atendido, pois nela se engendra a personalidade adulta de cada um.