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Maria Ondina Braga – 1922 / 2003

A memória das palavras

Passam este ano os cem anos do nascimento desta escritora cosmopolita cuja obra tem uma presença muito impressiva do Oriente por onde ensinou e viajou. Fez os seus estudos secundários na cidade natal de Braga tendo depois feito os restantes estudos na Royal Society of Arts (Inglaterra) e na Alliance Française (França). Concluídos os estudos enveredou pelo ensino, tendo lecionado Português e Inglês em Angola, Goa, Macau e Pequim e voltando para Lisboa em 1964 onde se estabeleceu e posteriormente regressou à cidade que a viu nascer. Aí foi homenageada em 1990 e atribuída a da medalha de ouro da cidade em 1994. Além do ensino dedicou-se à escrita e à tradução.
A sua obra é o reflexo das suas viagens e estadias em diversos países do oriente e por isso há quem a denomine “uma escritora entre o ocidente e o oriente”. Afirmou-se como ficcionista, sendo considerada um dos grandes nomes femininos da narrativa portuguesa contemporânea, com várias obras editadas nos diferentes géneros literários: poesia (Almas e Rimas), romance (A personagem), conto (A china fica ao Lado), crónica (Eu vim para ver a Terra). Durante a sua vida foi sempre discreta e, de certo modo, solitária, embora com a riqueza do seu percurso se tornasse uma transmissora de culturas variadas de origens portuguesas ou influenciadas pelos portugueses em diáspora. Assim, a sua escrita é uma espécie de biografia no texto e um texto da biografia nas suas próprias palavras. A riqueza dos seus conhecimentos, transpostos para a sua obra, dá vida a uma série de personagens verosímeis que partilham o percurso diverso da autora. As cidades onde esteve marcam também a sua escrita impressiva baseada numa experiência quase indizível. “Esse rico capital de experiências e de culturas imprime à sua escrita um desenho ímpar no panorama da literatura portuguesa da segunda metade do séc. XX, quer na pintura dos ambientes, quer na composição de personagens, quer na caracterização de costumes e de tradições, definindo figuras, atmosferas e um modus vivendi plural e cosmopolita.” (José Cândido Oliveira Martins) Não é difícil fazer a ligação com a itinerância da Peregrinação de Mendes Pinto já que ambos deambulam pelo oriente e contam as suas experiências fantásticas narrando ainda a sua vagabundagem pelo mundo. Diferente, a sua cosmovisão, não é tão exótica como a do peregrino Mendes Pinto, mas também transforma algumas vezes em aguarelas as suas descrições do mundo da variedade das suas gentes, almas, crenças e amores. No seu romance Estátua de Sal, a autora refere: “Palmilhei capitais europeias. Sonhei nas terras úberes de África os mais puros, os mais ardentes sonhos telúricos. Nasci numa cidade pequena com pedras do tempo dos romanos e Nossas Senhoras de todos os nomes. E não posso esquecer Paris – a beleza, a grandeza, a sedução espiritual de Paris. Tenho de lembrar o perfil dos monumentos de Londres por entre os véus de nevoeiro ou o chuvisco gelado. Necessito naturalmente de confrontar Angola com Macau para saber que há vida e saber que há morte. Mas, acima de tudo, desejo recordar a minha terra, as pessoas e os lugares que amei, outros passos…”.
Na sua morte, a Assembleia da República fez um merecido voto de pesar, homenageando assim uma escritora que viveu e viajou livremente, que ensinou e traduziu, e, sobretudo, que escreveu intensa e originalmente.
Além da escrita, foi uma exímia tradutora, tendo vertido para português entre outros, Graham Greene, John Le Carré, Anais Nin, Bertrand Russel, Marcuse e Todorov, além de obras de literatura juvenil e de divulgação científica. Foi também colaboradora em vários jornais, na página literária do Diário de Notícias, no Diário Popular, A Capital, e nas revistas Panorama, Mulher, Ação e Colóquio Letras. É uma grande escritora do século XX fazendo parte dum conjunto de mulheres escritoras inovadoras que se destacaram nas letras nacionais.
Como nota final, fica a referência que uma das mais importantes estudiosas e que está a dirigir a republicação das obras da escritora é a guardense Isabel Cristina Mateus, Professora na Universidade do Minho. Tem mesmo um roteiro publicado sobre a autora, chamado “Viajar com… Maria Ondina Braga”.

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“Queimei-me ao sol de Agosto. Sou morena.
Tenho os olhos profundos e leais,
Lábios esmaecidos, voz serena,
Cabelos curtos, fartos, naturais.

Minha alma é feita de sorriso e pena,
Loucuras mansas, doces, outonais…
Sonhos que trago em mim desde pequena,
Saudades que ficaram de meus Pais!…

Adoro o campo, a paz, a singeleza,
O silêncio da noite, o mar que reza,
A infantilidade, a comoção

Gosto de falar só…e às escondidas,
Tenho olheiras escuras, mãos compridas,
E sob o peito, a arder, um coração!”

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