Quando chega a hora de analisar resultados eleitorais, cada um tem a sua própria leitura, seja por alinhamento ideológico, seja por influência dos comentadores, alguns deles profissionais pagos para lerem num sentido ou noutro.
Mandam as boas regras da democracia que se felicitem os vencedores e é isso que tem que ser feito neste momento, porque mesmo que possamos pôr em causa a representatividade traduzida pelos resultados do dia 26 de maio de 2019, em que cerca de 70% dos eleitores não foram votar, jamais podemos colocar em causa a sua validade.
Dito isto, se nos livrarmos das inclinações ideológicas e fizermos ouvidos surdos aos comentadores, diria que a primeira leitura que tem que ser feita, por uma questão de honestidade intelectual e de respeito pela democracia, é aquela que se refere à abstenção.
Num cenário que configura a maior abstenção em eleições democráticas, em que perto de 70% dos eleitores não se sentiram mobilizados para exercerem um direito que representa a maior conquista da democracia, a grande derrotada neste ato eleitoral é mesmo a própria democracia.
Dizer que a abstenção foi um voto contra a democracia pode ser exagerado, mas foi claramente um gesto muito significativo contra esta espécie de democracia em que vivemos.
O artigo 4º da nossa Constituição diz que “A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos…”
O voto, que é a substância da democracia, não foi exercido por mais de dois terços dos portugueses em idade de votar, o que nos deve deixar muito, mas mesmo muito preocupados.
Apesar desta enormíssima abstenção ainda houve quem se sentisse muito confortável a cantar vitória, esquecendo a crueza dos números e usando-os abusivamente para fazer extrapolações para as eleições legislativas. Que os partidos o façam, já é pouco aceitável, agora que sejam órgãos de comunicação social a seguir esse caminho, como foi o caso da RTP, é algo totalmente inaceitável e evidencia uma parcialidade que compromete o dever de isenção da estação pública, que recebe dinheiro de todos os portugueses. Um exemplo de um mau serviço prestado ao país e à democracia.
No que respeita aos resultados dos diferentes partidos, vemos que há metas que não foram alcançadas, mas também há vitórias mais pequenas do que aquelas que foram cantadas e isso encontra tradução no já referido valor da abstenção.
Outro dado importante a reter é que quando a moderação fica em casa, ganha a radicalização, como foi o caso do BE e do PAN.
O primeiro está inserido, em conjunto com o PCP, no mais reduzido grupo do parlamento europeu, o de extrema esquerda, que perdeu força em toda a Europa, à exceção de Portugal.
O segundo é um voto eminentemente urbano de quem nunca conheceu um habitat natural e vive confinado a ecossistemas em que predominam as ruas alcatroadas, o ar poluído pelas intermináveis filas de automóveis e as escadarias dos prédios que estão diariamente condenados a trepar.
Muitos desses resultados também poderão traduzir votos de protesto.
Por outro lado, António Costa tem uma elevada responsabilidade na percentagem da abstenção, ao ter desviado o foco destas eleições da política europeia para a política nacional, quando pediu que as mesmas se traduzissem num voto de confiança ao governo, já para não falar da encenação da demissão.
O voto de confiança pedido, olhando para os resultados das europeias de 2014, da tal vitória por “poucochinho”, (31,46%), para os resultados com que o PS perdeu as eleições legislativas de 2015, (32,31%), e comparando-os com os 33,5% do dia 26 de maio de 2016, gerou pouco entusiasmo com António Costa, junto dos portugueses, e a abstenção pode ser entendida como um cartão amarelo ao governo e ao rumo de uma governação que tem como imagem de marca as cativações, num cenário de carga fiscal máxima para serviços públicos reduzidos ao mínimo.
O voto foi de pouca confiança, mas a oposição ainda não conseguiu mobilizar o eleitorado para capitalizar a insatisfação.
É uma leitura.