Nos últimos censos feitos em 2021, a população portuguesa cresceu ligeiramente; mas isso deveu-se essencialmente à população imigrante.
Por outro lado, muitos serviços essenciais à vida pública e em sociedade, entre nós, funcionam porque há estrangeiros dispostos a pôr mãos ao trabalho. Está calculado, com base em projeções de base científica, que a sociedade da Europa Ocidental, onde nos incluímos nós, precisa, nos próximos tempos, de significativo número de trabalhadores estrangeiros para que a tendência no crescimento económico não se inverta. Estes são factos a dizer-nos que precisamos de receber imigrantes; e precisamos de os receber em condições que lhes permitam viver uma vida digna. Isto supõe preparar a sua integração numa cultura diferente que é a nossa, com tradições, costumes e leis novas para eles, envolvendo sempre o respeito pelos direitos fundamentais, como são os da saúde, da educação, da segurança social para os próprios e suas famílias, com especial atenção às crianças e aos jovens.
Esta é a realidade geral que se verifica também na mobilidade de fiéis e missionários, dentro das estruturas da Igreja.
Em visita “ad limina Apostolorum”, no último mês de maio, os Bispos portugueses ouviram, no Dicastério para a Evangelização, II secção voltada para a 1ª evangelização e o cuidado das Igrejas de criação mais recente, a seguinte afirmação – “Não há falta de padres na Igreja, o que falta é fazer bem a sua distribuição”. Estamos de acordo, mas não podemos deixar de acrescentar os necessários cuidados para integração de quem vem.
E foi isso mesmo que a Conferência Episcopal Portuguesa desejou fazer, com a promoção de um curso de integração missionária, na semana passada, durante 5 dias, de segunda a sexta-feira, em Fátima, através da Comissão Episcopal “Missão e nova Evangelização”.
Foram 74 os participantes neste curso, de 19 nacionalidades, os quais contaram com a ajuda de especialistas em diferentes áreas do saber, focados no objetivo de que o choque das civilizações dê lugar ao diálogo e cooperação entre culturas e tradições diferentes, para juntos conseguirmos objetivos comuns, neste caso, a vivência e o anúncio da Fé.
Tentou-se, com este curso, iniciar um processo que torne as pessoas cada vez mais sensíveis aos diferentes modelos culturais e antropológicos e aos grandes desafios da interculturalidade.
Também se introduziu a partilha sobre modelos diferentes de exercício da liderança e da autoridade, sendo esta sempre julgada pelo serviço que presta às pessoas. Sublinhou-se o respeito que nos merecem sempre as emoções em todo o processo de encontro entre culturas e tradições, que definem, de facto, a identidade das pessoas e as suas pertenças.
A Teologia da Missão, por um lado e os dados da nossa história de Igreja em Portugal e das práticas cristãs comuns, privilegiando a celebração da Fé na Liturgia e nas diferentes formas de piedade popular, foram assuntos muito presentes neste curso.
Houve ajudas para os participantes aprenderem a ler a sociedade secularizada na modernidade e sobretudo na chamada pós-modernidade, com suas as implicações, não só no anúncio da Fé, mas também na transmissão dos valores e na preservação das identidades.
Numa primeira avaliação, verificou-se que a interação e o acolhimento funcionam tendo em conta as diferentes mundividências em tensão; há que cuidar os processos de comunicação entre culturas e gerações, para se conseguir a desejada transmissão de bens e valores. E nunca se podem esquecer os traumas históricos, mesmo quando já não podem ser desfeitos. Citou-se, a propósito, a afirmação do Presidente da República Popular de Angola sobre a relação entre os países de Portugal e Angola, dizendo ele que não está em causa pagar indeminizações, pois elas não poderiam ser pagas nem com a venda de Portugal inteiro.
No mundo frágil que é o nosso, precisamos de lideranças fortes, com a autoridade a ser desempenhada como serviço a todos e, quando necessário, privilegiando os mais pobres.
Da Igreja espera-se uma reserva de esperança, chamando permanentemente a atenção para o dever ético do cuidado das pessoas umas das outras mas também da casa comum que conjuntamente habitamos. De facto, todos nascemos para a interdependência e a complementaridade. Não podemos esquecer o princípio antropológico de que o ser humano se estrutura na relação e sem relação nem sequer pode haver autoconhecimento.
Por estas e outras razões, conclui-se que nunca a Igreja foi tão necessária como hoje o está a ser. Dela se esperam contributos para desfazer o fosso existente entre as gerações, promovendo o diálogo intergeracional. Assistimos, é certo, ao desencantamento do mundo (Max Weber), mas há o verdadeiro encanto que é preciso descobrir sempre de novo e que tem a ver com o sentido da vida das pessoas, da história como também da natureza enquanto tal.
Por outro lado, o caminho sinodal que a Igreja está a promover para dentro e para fora de si mesma é um processo para contar com todos, procurando desfazer invisibilidades, seja de quem for, para assim se cumprir o propósito do acolher, acompanhar e integrar, indispensável ao bem estar das pessoas em todas as situações.
E este é também o verdadeiro caminho da fraternidade. A propósito, lembrou-se o apelo que o Papa fez aos atletas olímpicos, abertura oficial dos jogos olímpicos em Paris, para conjuntamente lutarem pela medalha da fraternidade.
Para percorrer os caminhos da integração lembrou-se a importância da conversão dos pastores e outros líderes, mas também a conversão de todos para fazerem sempre o percurso da contemplação para a ação. Valorizar o silêncio e a interioridade é o único caminho para dar valor e consistência à atividade humana como tal, o que se verifica igualmente na prática pastoral da Igreja.
As propostas deste 1º curso de integração missionária pedem principalmente 4 conversões, no interior da Igreja, a saber, a conversão pastoral, a cultural, a ecológica e a sinodal.
E tudo isto com o objetivo comum de cumprirmos o desígnio de habitar e transformar este mundo que nos é dado para dele fazermos a nossa casa comum.
29.7.2024
+Manuel da Rocha Felício, Bispo da Guarda