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Guardenses 20, sindicalistas 0

CIVISMO
Guardenses 20, sindicalistas 0
Passaram já alguns dias após os acontecimentos para podermos escrever sem sermos dominados pela revolta interior que nos assaltou quando umas dezenas de «sindicalistas» interromperam o discurso do Senhor Presidente da República no momento em que este, no Dia de Portugal, tinha por destinatários todas as comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. O povo português estava, portanto, a celebrar um acto da sua identidade e sentido de pertença a uma comunidade humana organizada em comunidade política. É ocioso lembrar a sequência dos tristes acontecimentos. Horresco referens: arrepio-me a conta-los. Mas isso não pode significar que não se deva mostrar indignação.
Não é necessário salientar a falta de civismo evidenciada pelo desrespeito ao mais alto magistrado da nação. Também não será necessário acentuar o desrespeito pelo povo português e, certamente, pelas comunidades portuguesas espalhadas pelo mundo. Também não será necessário evidenciar a falta de civismo que estes senhores mostraram pelas personalidades presentes e pelas forças armadas disciplinadamente alinhadas. Também já nem falo do desrespeito pela cidade da Guarda. A incivilidade deste comportamento é tão óbvia que se torna ocioso referi-la. Est modus in rebus, escreveu Horácio. Traduzindo: há limites precisos nas coisas, para além dos quais não há justiça. Que representam, afinal, estes senhores? Muito mal irá a educação neste país se esta amostra é significativa do universo dos professores. Recuso-me a pensar em tal.
Fui nesta cidade da Guarda professor ao longo de várias dezenas de anos. Nasci numa pequena aldeia deste concelho. Pertenço ao povo português. Sou membro do hospitaleiro povo desta cidade da Guarda. Como membro deste povo, senti-me ofendido na minha dignidade com tal comportamento. Como professor aposentado sinto vergonha da baixeza a que parecem ter chegado representantes de uma classe que se diz de educadores. Por isso aqui fica o protesto, que não é só meu.
Já há muito que venho ouvindo que os problemas das nossas escolas se devem muito ao facto de, ao longo dos tempos, terem retirado autoridade aos professores. Sei quanto isso é verdade. Mas há outra verdade mais básica e banal. É que a verdadeira autoridade não se dá mas constrói-se com atitudes de liberdade responsável. Liberdade e responsabilidade. Ai do povo, ai de um qualquer grupo, que só invoca a liberdade e não conhece a responsabilidade perante si e perante os outros. Com este comportamento, tais «sindicalistas» cravaram mais uma espada na autoridade e na dignidade dos professores.
Há uma dignidade intrínseca ao ser humano que nunca se perde. Os filósofos chamam-lhe dignidade ontológica. Nela radicam os direitos naturais do homem. Mas há uma dignidade social, ética e moral que essa, sim, se pode perder. Não tenho agora presente quem disse um dia que o bom senso e a vergonha, quando se perdem, tarde ou nunca se encontram. É o que pode acontecer com a dignidade.
Pobres classes com representantes deste jaez! Pobre sindicalismo quando não sabe discernir o lugar e o tempo oportuno para fazer ouvir a sua voz. Ocorre-me mais um dito da sabedoria dos nossos clássicos: Vasa inania multum strepunt, isto é, muito ressoam os vasos vazios. Os homens são como os metais: quanto mais ocos mais soam. A vozearia sindical no dia 10 de Junho na Guarda trouxe à luz do dia a vacuidade de quem assim grita. De que estarão cheias aquelas cabeças?
Como português e guardense senti-me ferido na minha dignidade de cidadão e homem da hospitaleira Guarda. Como professor aposentado senti-me envergonhado, perante este comportamento deplorável. O sorriso irónico daquele líder sindical, que, certamente, não saberá muito o que é ser professor, trouxe-me à memória mais uma constatação da sabedoria clássica: Risus abundat in ore stultorum! Traduzamos, para quem não sabe latim: muito abunda o riso na boca dos tolos! Não sou filiado em tal sindicado. Mas, se fosse o caso, nesse mesmo dia tal sindicato perderia toda a minha confiança e hoje já não me encontraria entre os seus sócios.
Se o perdão pode ajudar a cura, convido jovens escolares a perdoarem a estes senhores. Certamente nas suas salas de aula encontrarão professores que sabem manter a sua dignidade pessoal e com eles poderão crescer numa cidadania livre e responsável, de respeito recíproco e da salvaguarda da liberdade de todos, do respeito por Portugal e por toda a comunidade dos homens. Não há civismo sem passar por aqui.

Guarda, 16 de Junho de 2014

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