Quando celebramos cinco décadas da revolução de abril de 1974, é imperativo fazer uma reflexão séria sobre o futuro da imprensa e da democracia em Portugal. A crescente fragmentação do mercado publicitário, a ascensão das plataformas digitais e a disseminação de notícias falsas têm minado a viabilidade económica de muitos órgãos de comunicação social tradicionais. Esta situação tem resultado não só no declínio da qualidade jornalística, mas também na redução da diversidade de vozes e na diminuição do escrutínio sobre poderes instituídos.
É inegável que os media desempenham um papel fundamental na sociedade contemporânea. São eles os responsáveis por fornecerem informação, análises e perspetivas que permitem aos cidadãos formarem opiniões informadas e participarem ativamente na vida democrática. Contudo, o atual modelo de negócio dos media, baseado principalmente na publicidade e nas receitas de assinaturas, tem-se revelado cada vez mais insuficiente para enfrentar os desafios do século XXI.
Num cenário onde o mercado falha ostensivamente em garantir a sustentabilidade deste setor, torna-se evidente a urgência de explorar alternativas. Neste contexto, o financiamento público surge como uma via para corrigir desequilíbrios e garantir que a informação independente e rigorosa permanece como um bem público essencial. Ao disponibilizar recursos financeiros estáveis e previsíveis aos media, é possível garantir a sobrevivência e a independência dos órgãos, bem como assegurar que os jornalistas se concentram no seu papel de informar o público, sem pressões comerciais ou interesses corporativos. Ao garantir que os cidadãos têm acesso a informação diversificada e confiável, o financiamento público contribui para fortalecer os pilares fundamentais da sociedade democrática.
Países como Luxemburgo, Bélgica, Dinamarca, Áustria, Suécia, Itália e França já adotaram modelos de financiamento público bem-sucedidos, que garantem a diversidade e a qualidade do jornalismo. Estes sistemas envolvem frequentemente subsídios diretos, isenções fiscais ou fundos destinados à produção de conteúdos de interesse público, em apoios que oscilam entre os 5,3 e os 16,5 euros per capita, segundo um relatório recente da Comissão Europeia.
Em Portugal, apesar de algumas (tímidas) alterações positivas introduzidas pelo anterior Governo, já em final de mandato, ao regime de incentivos à comunicação social e no plano da literacia mediática – em linha com as reivindicações da Associação Portuguesa de Imprensa –, é inegável que os últimos anos têm sido marcados por uma total ausência de políticas públicas e medidas estruturais consistentes para o setor. Os números comprovam-no, de acordo com o mesmo relatório da Comissão Europeia: o Estado português gastou em 2022, em apoios diretos e indiretos aos media privados, uns magros 40 cêntimos per capita, situando-se entre os países com menos apoios aos media.
A Associação Portuguesa de Imprensa é defensora de um modelo de financiamento das empresas jornalísticas por parte do Estado à semelhança do que já acontece nas democracias mais avançadas do mundo. Um financiamento que deve ser acompanhado de mecanismos de supervisão e prestação de contas, para garantir a transparência e a imparcialidade na distribuição dos fundos, e de políticas que promovam a independência editorial e a pluralidade de opiniões. E acompanhado também de critérios de atribuição transparentes, baseados em princípios como a qualidade jornalística, a diversidade de fontes e a representatividade dos diferentes grupos sociais.
O jornalismo é o que permite escrutinar o poder político local e regional, sobretudo numa era em que câmaras municipais e autarquias têm máquinas de comunicação muito oleadas, capazes de fazer chegar informação “não filtrada” às suas populações. Quando mais de metade dos concelhos em Portugal é ou está na iminência de se tornar num deserto de notícias, ou seja, de não ter quaisquer jornais ou rádios aí sedeados, quando assistimos à morte lenta de dezenas de títulos de jornais, sobretudo em territórios de baixa densidade populacional, distantes das grandes cidades, é impossível continuar a assobiar para o lado e recusar discutir soluções para o setor.
Um novo Governo é uma esperança renovada. Esperança na adoção de medidas corajosas que permitam a sustentabilidade económica e social da Imprensa e reforcem as condições que lhe permitem cumprir o seu papel no presente e no futuro. Esperança no investimento no jornalismo local e regional, que é a espinha dorsal da democracia, permitindo a fiscalização do poder político em níveis próximos às comunidades. Sem ele, corremos o risco não apenas de comprometer a coesão social e territorial, mas também de enfrentar uma séria ameaça de desinformação, minando os fundamentos da nossa democracia consagrados na Constituição da República Portuguesa.
Cláudia Maia
Presidente da Associação Portuguesa de Imprensa