Se, a nível internacional, não tenho dúvidas sobre aquele que considero ser o “HOMEM DO ANO” – o presidente da Ucrânia Volodymyr Zelensky , já, do ponto de vista nacional, as dúvidas são muitas, por ausência de alternativas válidas e justas.
Comecemos pelo Presidente da República (P.R.). Acho que Marcelo Rebelo de Sousa não conseguiu ser credível para a opinião pública mais exigente nem foi eficaz na sua função de “primeiro magistrado da Nação” – designação que, hoje, ele nunca aceitaria usar dadas as conotações com um tempo que não quer recordar, mas que, em face da reduzida relevância política do seu exercício como P.R., e porque não tenho preconceitos daquela natureza, me parece ser ajustada ao conjunto de atribuições que lhe restam e que se deveria esforçar por preservar. Não só não foi galvanizador em torno de projetos nacionais dignos de serem bandeiras para o seu mandato, mas também foi infeliz, quiçá desastrado, na forma como exerceu a sua função “de comentador-mor” do País. Os erros de apreciação sucederam-se: não se lhe divisou uma linha ideológica orientadora, estável e lúcida, abriu fendas entre os seus apoiantes de origem, afrontou os amigos de ontem e poupou os adversários de raiz. Rodou num corrupio incessante; falou sobre tudo e sobre nada; foi “metido no bolso” por um primeiro-ministro arrogante e ambicioso; quis ser popular, acabando por ser populista e, condescendendo com a generalidade das estratégias de poder por parte do Governo, evitou, no fim de contas, afrontar quem manda fingindo apoiar quem, afinal, é (co)mandado. Enganou quem não esteve atento e magoou os que não lhe eram úteis. Chega a fazer pena como um homem inteligente, culto e sério seja visto por muitos como um “verbo de encher” e vá perdendo, a passos largos, a admiração e o respeito que ganhou enquanto um dos “pais da Constituição”, bem como ao longo de muitos anos de docência e comentário ou vencedor de duas eleições presidenciais.
Por seu lado, Costa, o DDT ora em funções, conquistada a maioria absoluta, ganhou em arrogância e em pose o que perdeu em naturalidade e franqueza. É certo que António Costa nunca foi propriamente um político humilde, mas não lhe era conhecida a agora assumida faceta de “animal feroz”, com que um antecessor e correligionário que serviu muito mal o País se qualificava. Chegado ao poder, depressa se desembaraçou da promessa de campanha de que iria respeitar os seus adversários. Com as “costas quentes” pela aliança tácita que parece ter firmado com o PR., bafejado pela sorte e otimista por natureza, foi anestesiando ou “emprateleirando” casos e casinhos funestos, aparecendo em pose “pombalina”(melhor dita, “pimbalina”), numa entrevista despropositadamente auto-laudatória, polvilhada de abusos retóricos do mais refinado mau gosto, que deu à Revista “Visão”, e na qual descerrou o seu retrato íntimo, que mais lhe valera resguardar. Quanto aos “casos e casinhos”, desvalorizou tudo o que de tristemente inconfessado – por vezes, em momentos sucessivos -, tem atingido o governo e o seu próprio prestígio. Só o caso de Pedro Nuno Santos teria tido, segundo ele, alguma gravidade. Teve-a de facto. O ambicioso ministro das Infraestruturas, ao anunciar como decidida a localização do futuro aeroporto de Lisboa, numa manobra de antecipação de sua exclusiva iniciativa, visou desautorizar o chefe. De imediato, foi ele próprio publicamente desautorizado, em contexto, aliás, humilhante, que, por certo, deixou marcas. Talvez Costa tenha feito nesse momento um inimigo interno poderoso…
Mas os casos não começaram – e não acabaram – com o episódio de Pedro Nuno Santos. Sem se entender bem porquê, Costa deixou cair uma estrela da companhia, a incensada ministra da Saúde, Marta Temido. Na remodelação do governo, afastou o seu velho amigo Pedro Siza Vieira, além de substituir o ministro da Administração Interna. Diga-se, de passagem, que, em termos de personalidade, dois dos novos ministros são muito mais convincentes do que os substituídos. José Luís Carneiro é um homem normal, sem complexos nem arrogância, muito melhor do que Eduardo Cabrita (alguém tem dúvidas?…). Também Manuel Pizarro deixa boa impressão, além de, sendo médico, ter conhecimento e experiência na área da saúde. Incomparavelmente mais dialogante do que a sua antecessora… Costa Silva também causou boa impressão, embora não tenha feito esquecer Siza Viera, governante moderno, preparado e prudente.
Mas voltemos ao “Costa-dos-casos”. Passando por cima dos afrontamentos com Alexandra Leitão e das críticas crescentes por parte de Ana Gomes, mais truculenta e menos diplomática, ocorreu o gravíssimo caso de Miguel Alves, o homem por si escolhido para seu Secretário de Estado-adjunto, acusado de prevaricação pelo Ministério Público.
E, na hora em que escrevo, desabrocha a bronca com a nova secretária de Estado do Tesouro, Alexandra Reis, que recebeu da TAP uma indemnização de quinhentos mil euros. Entretanto, passou pela presidência da NAV, onde se manteve apenas por cinco meses, até, há cerca de um mês ter tomado posse no Ministério das Finanças. Sob uma chuva de perguntas e de críticas, sob o peso de um choque coletivo, Fernando Medina, o ministro das Finanças, viu-se forçado a demiti-la (deixemo-nos de eufemismos). Assim caiu a última vítima deste governo de “casos e casinhos”. E já vão oito … em nove meses!
Senhor Primeiro-Ministro: permita-me, na minha ingenuidade de cidadão distante dos corredores do poder, que lhe dê um conselho porventura útil para os tempos que aí vêm. Mantenha, Senhor Dr. António Costa, os olhos bem abertos para registar as presenças mais exuberantes de alguns dos membros do seu governo, ministro(a)s e secretário(a)s de Estado, observando e tomando boa nota do auto-convencimento que exibam, as “gorduras” que nada têm a ver com as guloseimas do Natal. Evite laurear os “egos impantes”, achar graça e promover avanços à boca de cena de novatos ou recém-chegados sem lhes saber, clarinhos, a história e o feitio. Opte por gente mais simples, mais trabalhadora e modesta. E, já agora, desconfie dos “lambe-botas” e dos especialistas em intrigas palacianas.
É evidente que males como estes não são exclusivos do seu partido, onde há, aliás, bons exemplos de gente recomendável e exemplar. Querem mais um nome, além dos que dei acima? Pois aí está o de Mariana Vieira da Silva, abelhinha obreira e discreta, trabalhadora infatigável e pessoa credível. Mas o exemplo tem de vir de cima…(e ela é gentil mas baixinha…)
Mas depois de tanta conversa, quem é, afinal, a minha figura portuguesa do ano? Tudo visto e pesado, tudo medido pela métrica do meu uso, tenho de sair do universo dos políticos. E assim, numa respiração mais ampla e mais sã, inclino-me para o Cardeal José Tolentino Mendonça, intelectual de primeira água, homem de bem, que dignifica a Igreja e o País, que dele muito tem ainda a esperar, um ilhéu que se fez ao Mundo na barca da Fé. Um homem de futuro e para o futuro.
Que Deus o ajude e que a gente de boa vontade o possa ter como exemplo!
Lisboa, 28 de dezembro de 2022