Férias em clima de excitação e angústia

É quase sempre num clima de excitação e de angústia que se parte para férias.

A preparação da viagem começa muito cedo, antes mesmo de dar os primeiros passos fora de casa. Passa-se imenso tempo a matutar num destino, a consultar um livro, um mapa, a tomar conselhos com os amigos, a conferir referências e fotografias na Internet. Pretende-se cortar com a preocupação do trabalho, com o peso dos dias escuros e chuvosos, com o ramerrame do quotidiano. Sonha-se em encontrar um canto paradisíaco e carregar o telemóvel de maravilhosas fotos, de completar a coleção de paisagens – autênticos postais ilustrados, ou simplesmente cultivar o dolce fare niente e deitar-se numa toalha sobre a areia, de papo para o ar, aproveitando o sol da manhã e da tarde e rondando à procura de um restaurante típico, não exagerando no menu, porque regressar bronzeado, ligeiramente mais magro dá logo nas vistas e apreciam-se os cumprimentos dos vizinhos, colegas de trabalho e familiares.
Ainda não se saiu de casa e uma certa intranquilidade não cessa de nos apoquentar. Há a preocupação de não deixar nada pendente no trabalho, não vá o patrão telefonar para perguntar onde está tal e tal dossiê, e ficar logo com as férias estragadas, a defrontarmo-nos, eventualmente, no regresso, com uma cara desagradável ou, sabe-se lá, com uma carta de despedimento na caixa do correio.
A angústia continua, caso se viaje com um carro elétrico, sempre com a incógnita de não se saber onde existem postos de carregamento e ainda ser surpreendido com as diferentes modalidades de tomadas e de meios de pagamento.
Após a escolha do país, começam outras questões. Como será o sistema de saúde? Deverei fazer um seguro suplementar, caso nos tenham chegado ecos da existência de um sistema rudimentar.
Se a nossa consciência democrática está alerta, pensamos duas vezes em visitar a Turquia, a China ou outros países com conotações de regimes autoritários. Os fãs da Itália, já começam a interrogar-se das ideias direitistas de Gieorgia Melone. Alguns até já colocaram a ideia de evitar a França, com o medo de ser apanhado numa manifestação descontrolada, onde a selvajaria tem imperado nos últimos meses com a destruição de bens materiais que fazem mudar qualquer veraneante bem-intencionado do destino inicial.
A ecologia pode acometer a consciência de alguns. Apresentar-se com um SUV é já de si um atentado ao bem-estar do nosso planeta. E um projeto de percorrer 2 mil quilómetros para ir pousar o cu num canto de areia mais branca do que branca é quase um pecado contra a natureza e o bem-comum da humanidade. Porque não se convencem os aventureiros, os insaciados das viagens insólitas de que têm de se converter à sobriedade, às viagens curtas, a procurar o turismo da região, o designado local e sazonal. Não darei o conselho do meu pai que afirmava: quem vê o seu povo vê o mundo todo, e que se consolava apenas com uma semana de banhos na velha estância do Cró ou nas rudimentares termas das Águas, concelho de Penamacor. Mas para os mais eruditos poderão consultar as obras de Pierre Rabhi que defende o pensamento da sobriedade feliz, que o mesmo é dizer que temos de nos contentar com o que possuímos à nossa volta, já que os recursos naturais não são perenes e têm de ter o nosso respeito e carinho.

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