Da Grécia e conexos – em súmula (I)
Como era de regra entre alunos de História e de Filosofia daquele tempo, a Grécia surgia como um deslumbramento. Por certo que excelentes artífices deste deslumbramento eram os professores de então. Mas a reflexão suscitada pelos pré-socráticos, Sócrates, a própria sofística e Platão (a extensão do programa não consentiu chegar até Aristóteles), a lírica, a tragédia, a comédia, a épica, a Arte, tudo, a reflexão suscitada, dizia, alcandorou-nos a um mundo de venerada admiração. E fruíamos, no retiro da nossa consciência, fosse em casa, nas bibliotecas universitárias ou em passeios solitários, ou com um amigo ou grupo a deambular na praça ou, também, em tertúlias de café.
A Grécia era um espanto!! E breve se me impôs visitá-la como tributo, homenagem tão funda como se de religião se tratasse, digamos, a tal culminância espiritual.
Era necessário comprar uma auto-vivenda e, adquirida, a primeira viagem da “pão-de-fôrma” foi à Hélade (9530 quilómetros ida e volta). Não havia cartões de crédito, razão por que levei 400 contos escondidos num cofre, por sua vez escondido em instalação que, adrede, mandei fazer na viatura.
Em vários dias visitei Delfos e as Termópilas (“Estrangeiro, vai contar aos Lacedemónios que jazemos aqui por obediência às suas normas”, escreveu Simónides em epitáfio aos heróis; como ex-combatente em Angola não me era difícil ter o alcance do heroísmo), Delfos e as Termópilas, dizia, Micenas, Esparta e o litoral, as montanhas e o campo. O Pireu vi-o de longe.
Quando entrei, ido da Jugoslávia em processo de implosão, mais precisamente da Macedónia, onde o guia do Museu de Arte Contemporânea de Skopje, só me falava de Eusébio e de Filipovic, o primeiro restaurante foi em Larissa. Come-se bem na Grécia, para meu gosto, pois à abundância e variedade de saladas, misturam queijo branco de grande qualidade. Temperaturas elevadíssimas de Agosto, um ensurdecedor barulho do canto de cigarras, a vegetação do Olimpo. Por aqui tudo bem.
Mas…Em Delfos, esse omphalos,”umbigo”, o “centro do mundo”, depara-se-me um vendedor de fruta irascível, ademais de, nos contactos pessoais, maus modos, distância e indiferença (com excepção para os condutores de carros de aluguer em Atenas ou ex-emigrantes agora empregados de café, gente simpática ou muito simpática). Nos restaurantes nada de primoroso na limpeza. E a desconfiança das pessoas deve, também, registar-se. Em suma: aquilo nada tinha a ver com o deslumbramento com que se saía da Universidade. Enquanto flanava numa aldeia dei-me conta de um grupo de homens que esperavam e da chegada de alguém num muito imponente Mercedes preto, muito bem lavado, estimado. Ao ter inquirido de que se tratava disseram-me que um prócere político tinha chegado para uma reunião. Notei que fora cumprimentado por cabeças que se abaixavam, apaniguados (“mantidos por outrem”), clientes, portanto. Não perguntei de que partido eram as pessoas.
Repito: ao fim de vários dias impôs-se-me que, afinal, algo de tão realmente prosaico nada tinha que ver com o encanto e espanto de universitário(s). Uma dimensão maior deste choque está no facto de, mal chegado a Delfos, ter enviado um postal ilustrado à minha muito ilustre Profª de Cultura Clássica, Doutora Rocha Pereira, como quem anuncia o pagamento de uma promessa e se sente libertado pela gratidão que regista “preto no branco”.
Regressado a Portugal falei da minha decepção aos meus pares e a resposta que ouvi foi: “Sim, sim! A Grécia actual é uma decepção. É a reacção comum.”
Guarda-11- VII- 2015