Terminei 2022 em espera. Um dia de espera com que não contava.
Dia 31 de Dezembro. Iniciei 2023 com dias de espera. A noite de passagem de ano foi também noite de espera. E não foi à espera das badaladas da meia-noite. Foi uma espera sequencial que passou por dois anos. E em espera fiquei até regressar à minha cidade de montanha. Ninguém fique à espera pela explicação, que não darei. A razão desta espera inesperada fica comigo e com familiares e amigos de maior proximidade.
Quem poderá contar o tempo das suas esperas? Das esperas de ontem, de anteontem, das esperas de cada dia. Até, talvez, as esperas de hoje. Quem poderá afirmar que nunca gastou tempo em esperas? Por esses períodos de tempo em que se espera por alguém, familiar ou não, ou por qualquer coisa ou acontecimento. Seja lá o que for.
Talvez até possamos dizer que vida humana, uma sequência infinda de esperas, toda ela é uma espera. O animal fará também esperas. Da comida que o dono lhe vai dar, ou a uma presa com que se deseja banquetear. Sem possuir consciência reflexiva, o cão, como outros animais, passa por momentos de espera sem o saber. Não sei se poderemos dizer que o predador, que faz esperas à presa, é um ser que espera. Ele faz espera, simplesmente. O Homem tem consciência do tempo. E do tempo passado em esperas. É um animal que espera, o ser humano. Como é tantas outras coisas, este animal complexo que é o humano.
Poderá pensar-se que espera e esperança são a mesma realidade humana. Mas não. Espera e esperança não são a mesma realidade, embora caminhem a par e recorramos ao mesmo verbo, “esperar”. Mas significamos duas realidades diferentes: ter esperança e encontrar-se em espera.
A espera situa-se no presente imediato ou no presente mais ou menos continuado. Bem continuado tantas vezes, como canta o belíssimo soneto de Camões: «Sete anos de pastor Jacob servia / Labão, pai de Raquel, serrana bela; / mas não servia ao pai, servia a ela, / e a ela só por prémio pretendia.» A esperança situa-nos no futuro mais ou menos próximo ou mais ou menos distante. É ela que mantém o ser humano em espera, como o canta o poeta no mesmo soneto: «começa de servir outros sete anos, / dizendo: – Mais servira, se não fora / para tão longo amor tão curta a vida.» A esperança aponta o futuro e a espera, no presente, cavalga a esperança.
Contrariando o dizer da tradição popular segundo a qual «quem espera desespera» [o povo também diz que «quem espera sempre alcança»] direi que quem espera vive a esperança. Que o bem aconteça e que o mal desapareça. O que espera pelo bem da paz espera também que a guerra termine ou não aconteça. Em espera pelo sim e em espera pelo não. O Papa Francisco, condenando a «orientação belicista de destruição» e, lembrando que uma única bomba pode destruir uma cidade como Roma, lança ao mundo a pergunta: «de que estamos à espera?» O verbo encontra-se no plural. Quem responderá?
Bem o sabemos: o tempo de espera não é simplesmente tempo, é existência. Tantas vezes tempo de inspiração e criatividade, mas também, tantas vezes, tempo pacientemente sofrido. Que o diga o povo ucraniano há mais de um ano à espera do fim da guerra, à espera da paz, à espera da vitória do seu país onde as trincheiras são dramáticas salas de espera. Como são também salas de espera os países de acolhimento.
Fazemos espera em listas, em filas, em salas. Em “listas de espera”, em “filas de espera”, em “salas de espera”. A vida parece constituir-se como uma sucessão de “tempos de espera”. E a Terra, perdida no espaço cósmico sem medida, é uma “sala de espera” para nós, humanos que somos, que, de geração em geração, aqui nos vamos sucedendo em “listas de espera”.
O automobilista, num engarrafamento de trânsito ou num semáforo citadino, encontra-se na espera de poder continuar a viagem, enquanto os peões passam, eles que também se encontraram em espera. E todos carregam, talvez, outras esperas.
O viajante numa paragem de autocarro, numa central de camionagem, numa estação ferroviária ou num movimentado aeroporto: viajantes nos espaços e viajantes no tempo, de espera. Com esperas. E, lá longe, do outro lado da viagem, alguém em espera por eles.
Em espera o comprador na caixa de uma grande superfície comercial, como na espera se encontra o vendedor pelo cliente na banca de uma praça ou de um minúsculo mercado.
Em espera o estudante, em fila, na cantina da escola para o almoço, como, chorando, o tenro bebé se encontra em espera pelo peito da mãe.
Em espera o cientista pelo bom resultado das suas experiências e cálculos matemáticos, como se encontra à espera o agricultor de que a semente lançada à terra germine com viço e que o tempo seja favorável ao seu desenvolvimento e colheita.
O fanático de futebol na espera dos golos e vitórias do seu clube e o jogador na espera da sorte na casa do mesmo nome.
O estudante em espera pelos resultados de um teste ou de um exame, como a criança se encontra à espera pela prenda de aniversário, do Natal ou de outros dias prendados.
O cidadão, numa qualquer repartição pública, em espera pelo atendimento que lhe é devido, como em espera se encontra aquele que aguarda pela resposta a uma qualquer solicitação redigida em letra de requerimento.
O doente em espera pela consulta médica, pelo resultado de um exame clínico, pela marcação de uma cirurgia ou pela alta hospitalar, como todo o ser humano se encontra em espera pela felicidade.
O político em espera pelo bom resultado das eleições e o cidadão em espera de poder confiar no governo do país.
À espera se encontra o bom samaritano de que o “próximo” encontrado estendido numa qualquer valeta social seja humanamente tratado, como o corrupto e o ladrão em espera, receosos que os seus actos sejam descobertos.
O refugiado e o deslocado, fugindo da guerra, à espera de poderem chegar a um porto de abrigo ou regressar à sua pátria, como o migrante, vindo das lonjuras do globo, se encontra à espera de encontrar bom acolhimento e trabalho condigno no país estrangeiro.
Em espera o pai pelo nascimento do filho naquele lugar onde a mãe está prestes a dar à luz. Mãe também, ansiosa, à espera, de ver, pela primeira vez, o rosto do bebé, ela que, há meses, vinha estando em espera.
Basta de exemplos porque as esperas humanas são filhas do tempo e das regiões do globo. Não só porque as esperas são tempo vivido, mas também porque as situações de espera, as esperas vividas, variam conforme os momentos culturais e civilizacionais por que vamos passando, por que vão passando os indivíduos, os grupos e os povos. Mas sempre o ser humano é um animal que espera. Sempre em espera. E, quando surgem situações de desorientação e crise profunda na comunidade, há quem fique à “espera de Godot”, que é como quem diz, segundo a mítica visão portuguesa, à “espera de D. Sebastião”.
Também o crente cristão se encontra à espera do Senhor que «há-de vir e julgar os vivos e os mortos», como professa no “credo”. Ele transforma em vida vivida a relação entre o tempo presente, de espera, e o futuro que o espera também. Síntese irrepresentável da vida: ele espera no tempo presente e o Futuro Absoluto o espera absolutamente. O seu tempo presente é um “compasso de espera”, de espera pelo Senhor que virá e que o acolherá nos braços do seu Amor infinito. E que vem já, a cada momento, porque Ele ressuscitou.
A Ressurreição de Jesus explode, pela fé, em Espera Absoluta. Por isso, lembrando as últimas palavras do último livro bíblico, o Apocalipse, como os cristãos das primitivas comunidades, o fiel cristão, à espera da parusia, vai cantando hoje com fé e esperança: “Maraná thá”. “Vem, Senhor Jesus”. A espera assim é quietude e visão mística.
Tenham todos uma Santa Páscoa. Assim fico eu em espera. Aleluia!
Guarda, 28 de Março de 2023