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Esta palavra “Parabéns”

No passado dia 19 de Março, da cidade do Vaticano, o Papa Francisco saudou todos os pais com as seguintes palavras: «Hoje damos os parabéns a todos os pais. Que encontrem em São José o modelo, o apoio e o conforto para viver bem a sua paternidade.»

Esta crónica começou, nesse dia, 19 de Março. E foi já terminada a 7 de Maio, «Dia da Mãe» em Portugal. Parabéns a todas as mães. Atrasados, ou não tanto, porque Maio é um mês especialmente dedicado à Mãe e a «Semana da vida» passa por aqui também.
“Parabéns” será uma das palavras mais utilizadas na nossa vida social. E ainda bem. Mas, como acontecerá com muitos termos de utilização vulgar, vamo-la usando, talvez, sem a consciência plena do que estamos a dizer. Valerá a pena pensá-la um pouco.
Quando digo que o Papa Francisco saudou com «parabéns» todos os pais, já estou a dizer que «dar os parabéns» é uma forma de saudação utilizada em certas circunstâncias específicas. Todos o sabemos e todos vamos sabendo quais são essas circunstâncias. Todos o sabemos e cedo aprendemos, mas as circunstâncias acontecem, cantamos mecanicamente, quantas vezes, os «parabéns a você nesta data querida» ao familiar ou ao amigo festejado, desembrulha-se curiosamente uma prenda, ou várias, se for caso disso, mudamos de registo com conversas banais, e os «parabéns» desaparecem dissolvidos no ar da ocasião. O que cantamos, afinal, quando cantamos os «parabéns»?
Como acontece com muitas palavras, também no caso vertente poderá ser a etimologia a apontar-nos um caminho.
Etimologia bem simples, esta. Basta desmembrar “parabéns” e atender às duas palavras que a compõem: a preposição “para” e o substantivo masculino plural, “bens”. Quando cantamos os «parabéns», cantamos os “bens-em-para”. Simples, não é? Sem pretender fazer da análise da linguagem o caminho ideal ou único para pensarmos a vida, como já houve quem assim preconizasse, avancemos um pouco mais nas nossas considerações.
É de crer que os “parabéns”, palavra, tenham nascido no singular. “Para bem” seria a expressão inicial. Assim, com as duas palavrinhas separadas, “para” e “bem”, até parece entender-se melhor. É um “bem-em-para”.
De que bem ou bens falamos quando damos os parabéns a alguém? Variará, ou variarão, conforme as circunstâncias, mas sempre lá estará, assim julgo, uma referência implícita ao tempo, a um passado e a um presente. E a um futuro também. Será para aí que nos aponta a preposição “para” resultante da junção de duas preposições latinas: “per” (por, através de) e “ad” (em direcção de, para).
Aqui chegados, podemos especular, sem ferirmos a sensibilidade dos linguistas do reino do saber. Quando damos os parabéns, estaremos a referir-nos a uma realidade através da qual passa o «bem» ou os «bens». O dia de aniversário, por exemplo, é o dia pelo qual celebramos o bem da vida a que chegou o aniversariante e o bem a que possa chegar no futuro. Que a festa seja para o bem no futuro como ela expressa o bem no passado, graças ao qual se chegou ao dia festivo. Cantando os parabéns intentamos celebrar o bem de alguém, o bem dos anos passados para chegar àquele dia e desejar o bem do tempo vindouro. Aquele dia de aniversário é o bem presente em que se conjugam o bem passado logrado e o bem futuro potenciado. Presente, passado e futuro sintetizados nos votos de felicidade, o bem por que todo o ser humano, muito lá no fundo, sempre anseia.
Ignoro, em absoluto, como e por que razão o “para bem”, no singular, evoluiu para “para bens”, no plural. E “parabéns” posteriormente. Também aqui não será de todo impertinente especular. O «bem» aparenta ser uma realidade abstracta. Os «bens» são realidades bem mais concretas.
Era eu muito novo ainda quando, num encontro de jovens, ouvi pela primeira vez a palavra “shalom”. Ouvi-a cantada com afinação por um pequeno grupo de jovens entusiastas. Confessei a minha ignorância e foi-me dito que se tratava de uma palavra hebraica que significava «paz» e que se utilizava como saudação. Fiquei a gostar da palavra. Quer por significar «paz», quer porque aquela palavra “shalom” me soava musicalmente bem. Ouvi-la pela primeira vez assim cantada, com a voz entusiástica de um grupo de jovens que teriam a minha idade, talvez tenha ajudado, mas verdade é que fiquei a saborear para sempre a musicalidade daquela palavra hebraica, eu que nunca estudei hebraico. E a palavra ganhou uma ressonância maior quando a ia ouvindo na peregrinação que fiz mais tarde à Terra Santa.
Entretanto, fui tendo outras informações e vim a saber que a palavra “shalom”, habitualmente traduzida por «paz», como me fora dito, significava a excelência da bênção que conferia «todos os bens» a quem era dirigida uma saudação. Dizer “shalom” a alguém é saudá-lo com o desejo de «todos os bens» para ela. A «paz» do “shalom” será uma espécie de concreção de «todos os bens» para o saudado. E a concreção de «todos os bens» em plenitude será a felicidade. A «paz» do “shalom” é também o “shalom” de Deus, se é verdade, como ouvi, que “Shalom” é também nome de Deus.
Vem-me com frequência à memória o “shalom” hebraico quando canto, ou ouço cantar, os «parabéns a você» e quando, por qualquer razão, alguém é saudado com «parabéns». Será fácil vislumbrar o porquê.
As duas palavras, a hebraica “shalom” e a portuguesa “parabéns”, encontram-se nos «bens», «todos os bens» desejados e sonhados, para quem é festejado num dia específico ou felicitado por uma qualquer realização, que tanto pode ser a boa refeição com que fomos brindados, como pode ser o bom resultado de um exame com que se terminou um curso. Ou outro bem de categoria superior.
Se nos colocarmos no plano do existir profundo do ser humano, os «bens», «todos os bens» do “shalom”, tal como os «bens», «todos os bens» dos «parabéns» cantados, ou ditos e abraçados, serão os «bens», «todos os bens» com que imaginamos, se é que conseguimos imaginar, a felicidade humana que todos desejamos sem sabermos o que ela é, embora saibamos que a felicidade possa ser dita, como o têm dito tantos pensadores, o «Bem absoluto». Digamos tratar-se da plena saciedade da alma. A pluralidade dos «bens», “todos os bens” que vamos identificando e conhecendo, perderá sentido perante a unidade do «Bem absoluto», da felicidade, que desconhecemos. Os «parabéns» continuarão, em última instância do humano viver, o “para bem” original perdido na noite dos tempos da nossa língua.
Já o acentuámos. Os «bens» dos “parabéns”, são «bens-em-para». São «bens» em direcção. «Bens» direccionados para o «Bem». O «Bem» simplesmente «Bem». Os «bens» dos «parabéns» serão uma espécie de sombra ou uma imagem imperfeita do «Bem» que desconhecemos, embora o intuamos. Será por isso que esses «bens», que poderão ser de natureza vária, nunca nos satisfazem. Platonismo? Mas quem não é platónico, um pouquinho que seja? Não está o platonismo tão presente na mais pura viva poesia e na mais profunda ansiedade humana? Há um platonismo sempre contemporâneo que se vem passeando, por aqui e por ali, ao longo da história do humano pensamento. E da vida de cada um. Assim penso. Com muitos outros. Com o leitor também. Talvez.
Como é possível desejar aquilo cuja essência desconhecemos, o «Bem»? A pergunta já esgotou a pena de muitos filósofos, desde o alvorecer do pensamento humano. Dispenso-me de visitá-los agora. Mas direi que ela me lembra também o «Bem» do paraíso perdido por Adão e Eva. E o «Bem» ressurgido na carpintaria de Nazaré.
Parabéns a quem dá a vida e a alimenta, com amor e coragem, dia após dia.
Parabéns, estimado leitor, se teve a virtude do coração, a coragem, para ler até ao fim esta crónica feita à mistura com especulações a partir de etimologias. Passe bem e tenha consigo o «Bem». Shalom.
Guarda, 7 de Maio de 2023

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