Escrevi o meu último artigo (FIGURAS DO ANO) no dia 28 de dezembro de 2022.
Nele, entre críticas que a atualidade justificava, dirigidas ao Presidente da República e ao 1º Ministro, dei conta da sucessão dos lamentáveis episódios que culminaram com a crise que levou à demissão da então Secretária do Estado do Tesouro, Alexandra Reis. Logo no dia seguinte rebentou a grande “bomba”: a demissão do ministro Pedro Nuno Santos (PNS), um “peso pesado” do governo e do PS. Com ele saíram também os seus Secretários de Estado no Ministério. Talvez tivesse valido a pena eu ter aditado esses factos ao meu escrito (ainda tinha tido tempo para o fazer) mas optei por respeitar a verdade do “tempo histórico” do desenrolar dos acontecimentos relatados no texto. Por outro lado, a dilação de quinze dias num “enredo” deste peso não iria seguramente prejudicar em nada o relato dos factos, antes me permitindo uma análise mais detalhada desses e dos episódios supervenientes. E eles vieram. E de que maneira! Imitando o tempo atmosférico, em verdadeira enxurrada!
Desde logo, foi importante conhecer os rostos do(s) novo(s) ministros(s) que iria(m) substituir PNS. E nisso, como na atmosfera gerada, fundamental acompanhar o procedimento do P.R., o qual, manifestamente, decidira alterar a sua atitude para com o governo e substituir a complacência até então adotada por uma determinação clara em face da precipitação e leviandade nas escolhas de diferentes nomes para o executivo. Valeu a pena esperar!
A decisão do 1º Ministro de separar o Ministério da Habitação do das Infraestruturas levou à nomeação de dois ministros: para o primeiro escolheu Marina Gonçalves e João Galamba foi o ministro nomeado para as Infraestruturas. Duas notas saltam desde logo à vista: por um lado, são escolhas feitas não apenas dentro do partido, mas, inclusivamente, dentro do núcleo mais vivo do aparelho; por outro, pertencem ao grupo mais fiel dos “pedronunistas”, a linha mais à esquerda do PS e do Governo. Com tais nomeações constatou-se, no entanto, o peso do ministro cessante, que congregou gestos de solidariedade e de quase aplauso na cerimónia de posse dos seus substitutos na qual se apresentou numa pose de indisfarçável protagonista. Claro era que a expressão de estreita amizade e de partilha solidária entre quem saiu e os que entraram contribuía para “amaciar” o ego evidentemente ressentido do ministro cessante: do rosto à sua postura não nos ficava dúvida de que Pedro Nuno estava magoado, para não dizer furioso. António Costa, que tão bem o conhece, evidenciava sinais de preocupação e, quiçá, de algum receio perante a possível reação do seu anterior ministro. Quase se diria que as posições entre ambos eram diferentes da realidade conhecida: olhando para as figuras em presença, o mais graduado e poderoso parecia ser o delfim; o mais idoso parecia o recém-chegado…. Ver-se-á o que o futuro “cozinhará” dentro do PS.
Pelo mar proceloso que então avassalava o partido socialista foi notória a violenta borrasca que, da proa à ré, de bombordo a estibordo, varria todo o convés e provocava grandes balanços no “navio”, obrigando os “membros da guarnição a usarem de todas as forças e cautelas para não serem cuspidos borda fora da embarcação, à imagem daqueles seus camaradas já anteriormente perdidos nas vagas.
E nova remodelação levou ao governo mais Secretários de Estado. Mas, não obstante as prevenções, a má fortuna do comandante (e de todos nós) prosseguiu. E, com ela, a crise política atingiu foros de tragicomédia. Carla Alves, a nova Secretária de Estado da Agricultura, foi a protagonista do mais curto mandato de um governante no Governo – triste record – onde só esteve 26 horas. E é aí que se assiste a um episódio singular: o primeiro ministro a defender no Parlamento a sua permanência no executivo, quase ao mesmo tempo que, no exterior do parlamento, o P.R., perguntado sobre o caso da governante-relâmpago, a atirava borda fora, duro e seco e com carradas de razão. Desta vez, o caso era o seguinte: oriunda de Vinhais, mulher do ex-presidente da Câmara Municipal, Américo Pereira, é, com ele titular de contas bancárias arrestadas pelos Tribunais – o que não é propriamente um cartão de visita abonatório para quem pretende entrar no elenco governativo… O facto fez a manchete de um jornal diário no dia seguinte ao da tomada de posse de Carla Alves, asseverando que tal já era do conhecimento público aquando da sua nomeação para o Governo. Ora, desde o início e como bem acentuou o P.R., a governante era um “peso político negativo”. E desta vez, farto de trapalhadas e de inverdades, Marcelo retomou as rédeas da ação política que parecia ter vindo a perder e deu “um ano a Costa para segurar a legislatura” – cfr. “Expresso” de 6 de janeiro, pág. 4. O 1º Ministro levou uma lição e todos nós ficámos em choque perante a vertigem inacreditável de “casos e casinhos”, que já se vão misturando na nossa memória. Aguarda-se agora com alguma expetativa o desenrolar do inquérito à TAP e as suas repercussões no Ministério das Finanças.
Mas será que a lista constituída, no seu núcleo essencial, por Miguel Alves, Alexandra Reis e Carla Alves, está encerrada? Infelizmente nada o garante. Desde logo, não é nada claro o papel da Ministra da Agricultura, Maria do Céu Antunes, na escolha da sua ex-Secretária de Estado, subsistindo dúvidas fundadas sobre se tomou as elementares cautelas impostas por um escrutínio credível para evitar tal nomeação. Por outro, num outro plano, foi conhecido o caso – inconcebível – da ex-Secretária de Estado do Turismo, Rita Marques, que foi trabalhar para uma empresa privada que terá sido beneficiada no exercício recente do seu mandato governamental. Trata-se de uma manifesta ilegalidade, mas nem isso parece inibir a ex-governante, que aceitará de bom grado a “sanção” de não poder voltar ao governo dentro de um certo período de tempo.
Entretanto, as insuficiências e os erros na escolha dos novos governantes, levou o 1º Ministro a propor um mecanismo de escrutínio mais eficaz, visando o controlo da moralidade, dos currículos e do registo cívico e criminal dos candidatos a cargos no governo… Num primeiro momento, o P.R. afastou in limine uma solução que também o comprometesse nas escolhas futuras. A sua corresponsabilização contribuiria para a presidencialização do regime. Em alternativa, o Chefe do Governo apresentou uma versão, que será discutida amanhã em Conselho de Ministros. Interrogo-me seriamente quanto à consistência da formação dos nossos governantes que precisam de uma entidade escrutinadora independente que assuma por eles a responsabilidade de escolhas que, seguindo princípios éticos, técnicos, jurídicos ou simplesmente de senso, deveriam pertencer-lhes pela natureza própria e exclusiva do seu múnus. Será que nem sequer ao menos sabem direito como escolher com quem vão, podem, querem co – laborar?
Lisboa, 11 de janeiro de 2022