Eu sou um daqueles que de muito novo fui obrigado a deitar o corpo à cote.
A partir dos onze anos comecei a fazer uns serviços agrícolas lá de casa, como a pastorícia e outros trabalhos que não precisassem de muita perícia, nem de grande força muscular. Aos quinze anos a situação mudou, passei a trabalhar para outrem, prestando serviços com maquinaria agrícola do meu pai, onde a cobrança era feita à maquia, ou à hora, consoante a natureza do serviço, bem como as alfaias envolvidas. Eu até gostava desta situação, dado que havia sempre os mimos que em casa e diariamente, não eram possíveis, pois só quando havia gente de fora é que o rancho era melhorado.
Em três de setembro de 1969, quando eu tinha dezoito anos de idade, dei um passo que em tudo fez mudar a minha vida. Abandonei a campanha agrícola que tinha em curso e clandestinamente emigrei para França. A partir de então o meu sustento e os meus vícios foram sempre suportados à custa do meu trabalho. No entanto, cedo me apercebi que o trabalho quanto mais leve era, mais bem pago se tornava, pois necessitava de conhecimentos que dessem base a uma certa liderança.
Em 1972 vim para o serviço militar obrigatório, onde estive bem ativo numa das frentes do MFA em 25 de Abril de 1974. Em face dos conhecimentos políticos que se seguiram, tanto para as tropas, como para o povo, depressa me apercebi que o que fazia mover a política, eram duas forças, a do trabalho e a do capital.
Em face deste meu entender, vi que eu só me defenderia com o trabalho e politicamente situei-me nessa área. Com o andar dos tempos sonhei com uns Estados Unidos da Europa, sem fronteiras, com uma moeda e até mais, uma língua, onde as possibilidades fossem iguais para todos os que estivessem no mesmo patamar, sem escolhas nem influências, talqualmente os votos nas urnas, onde todos valem o mesmo.
Foi com enorme alegria que vi a assinatura do tratado de adesão de Portugal à Europa em 12 de junho de 1985, bem como o dia 1 de janeiro de 1986, data em que Portugal começou a fazer parte como membro de pleno direito.
Ora acontece que esta Europa, que se diz comunitária, foi sempre levada pelo capital, desfez a força do trabalho nos locais onde se fazia ouvir e passou a cuidar dos mais desprotegidos a uma ração diária. A política da Europa, em tudo se compara à geografia hidrográfica, os regatos enchem os ribeiros, que por sua vez engrossam os rios e estes caminham para o mar. As pingas da chuva que sustentam os regatos, em tudo se assemelham a pequenas migalhas que os pobres recebem, pois foram os oceanos que lentamente, no estado gasoso, lançaram a água na atmosfera.
Quero eu dizer que nesta Europa é o capital que manda e se os países que se dizem autónomos quiserem colocar em prática qualquer ato que implique com interesses dos grandes senhores da Europa, cai o Carmo e a Trindade com uma ameaça de Bruxelas. A Europa capitalista defende mais a fauna bravia que os camponeses que ficam sem os seus animais domésticos, muitas vezes sem a devida recompensa, ou, se acontecer, é por uma tuta-e-meia. A fauna alada que tanto danifica a fruta, está completamente blindada, enquanto que o produtor nem sequer sabe a quem se deve dirigir para qualquer compensação.
Mais me revolta esta Europa, quanto ao modo de tratar os refugiados do continente africano, esquecendo-se que do outro lado estão pessoas, vítimas da incompreensão de poderosos. Creio que se fosse um animal marinho a morrer no Mediterrâneo em quantidade igual aos que procuram a paz, já se teria tomado medidas de fundo para evitar o que então seria uma tragédia, mas que na situação atual ainda não é vista desse modo.
Muitos mais argumentos poderia aqui apresentar, mas fico-me por aqui. Com imensa pena vos digo, a Europa para mim foi uma desilusão, por isso sinto a grande tristeza de ser europeu.