DOIS DEDOS DE HISTÓRIA
Veneza é composta por várias ilhas, sendo Murano e Burano as mais conhecidas. Mas há outras ilhas que merecem uma visita, como as de San Michele e de Torcello, ricas em história e património.
ILHA DE SAN MICHELE
San Michele começou por ser um mosteiro, mas deixou de o ser, como aconteceu a muitos outros durante a era napoleónica. No início do século XIX, Napoleão Bonaparte ordenou que se mudasse o cemitério da cidade para a ilha, já que as sepulturas que se faziam no centro de Veneza não ofereciam garantias sanitárias. É que, por causa da água potável, os cadáveres não se podiam enterrar a grande profundidade. Este era um aspeto característico de Veneza, sendo frequente os viajantes relatarem o cheiro nauseabundo que emanava dos cemitérios espalhados pela cidade. Por outro lado, quando o nível das águas subia, facilmente era contaminada a água potável dos poços existentes nas praças, ao entrar em contacto com as sepulturas existentes.
Foi, assim, decidido secar o canal entre Veneza e a ilha de San Cristoforo, a que se juntou o terreno de San Michelle. Deste modo, surgiu San Michelle, a ilha-cemitério de Veneza.
O cemitério encontra-se dividido em duas zonas: num estão os túmulos escavados no solo e na outra os grandes mausoléus, que perpetuam as esculturas funerárias venezianas do passado com meios mais modernos.
Hoje, é o único cemitério da cidade, albergando também defuntos não católicos, entre os quais se encontram muitos de renome mundial que escolheram Veneza como segunda pátria, como o compositor russo Igor Stravinskij e a mulher Vera, o pintor Emilio Vedova, o poeta Ezra Pound e o escritor Frederick Rolfe.
A principal igreja da ilha é San Michele in Isola, que foi a primeira igreja da época do Renascimento em Veneza. O seu interior parece, à primeira vista, algo sombrio, mas uma observação mais atenta permitirá desfrutar de motivos arquitetónicos do primeiro Renascimento. Os capitéis das colunas estão decorados com motivos florais e geométricos, o que lhe dá alguma singularidade pois não possui as formas antigas típicas do Renascimento de fase posterior. As partes arquitetónicas que servem de sustentação diferenciam-se do resto do edifício pela cor e pelo material. O seu arquiteto, Mauro Codossi, concebeu-a com paredes muito finas, conferindo-lhe um aspeto etéreo e filinigrado, já que o subsolo da ilha é muito pantanoso. Este facto não permite que se ergam edifícios com uma estrutura muito pesada.
A igreja alberga também uma capela, a capela Emiliana, um belo exemplo da arquitetura veneziana. Tem forma circular, o que a torna o único exemplar desse tipo da época em que foi construída, o início do século XVI. Possui capela com colunas helicoidais e paredes com aparência de portas ricamente ornamentadas. Recorda outros edifícios venezianos do Renascimento. Os motivos renascentistas são abundantes, de tal modo que as suas obras acabam por recordar o gótico veneziano.
ILHA DE TORCELLO
Muito antes de Veneza começar a sua ascensão como grande potência comercial do Mediterrâneo, a ilha de Torcello era já um centro de civilização. Os primeiros habitantes da ilha chegaram por volta do século V. No início existia a sensação que Torcello iria ter muita importância, tal como demonstram os edifícios sumptuosos dessa época, mas a partir do século IX entrou em decadência, o que coincidiu com o início do apogeu de Veneza.
A igreja de Santa Maria Assunta foi fundada no ano de 639, durante o reinado do imperador Heráclio, depois de ter sido escolhida para a residência do bispo em 638.
O atual edifício da igreja remonta aos séculos IX-XI e é o mais antigo da laguna. Ao lado da igreja são visíveis os restos de um oratório do século XI. Segundo a lenda foi aqui que repousou, pela primeira vez, o corpo de São Marcos.
No interior da igreja podem observar-se uma série de quadros do século XV com a Virgem Maria e os doze apóstolos, alguns degraus de mármore que os sacerdotes usam como assento e o trono do bispo.
A igreja de Santa Fosca também merece uma visita. Situa-se à direita da catedral. Possui planta de cruz grega de grandes proporções e na sua capela encontramos o túmulo da mártir Fosca de Ravenna.
Em Torcello podemos ainda observar a Ponte do Diabo, uma ponte plana sem corrimão que atravessa um pequeno canal. Foi assim designada pelos habitantes, já que sentem por ela pouca atração. Este tipo de pontes era frequente em Veneza, em tempos passados. Eram palco de lutas tradicionais entre dois homens, pertencentes a bairros diferentes, que tentavam atirar-se mutuamente à água. Com o tempo, deixaram de se construir e as pontes sem corrimão já não fazem parte da paisagem veneziana.
Característica da ilha é a inalterabilidade dos imponentes edifícios do início da Idade Média e a possibilidade de ainda se poderem observar vestígios dos primeiros povoados.