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Da vitória de Trump ao regresso ao dia-a-dia

José Augusto Garcia Marques

Juiz Conselheiro do S.T.J. (Jubilado)

I – A vitória clara de Donald Trump, em eleições limpas, sem sombra de dúvida, surpreendeu e preocupou a Europa. A surpresa resultou do facto de a formação política moderada da maioria do eleitorado europeu ter-se sentido abalroada pelo estilo agressivo, egocêntrico e narcisista de um político aparentemente pouco dotado em termos culturais e com um discurso rudimentar e muito limitado. Mas quem votou foram os norte-americanos e, esses, os que lhe deram a vitória clara, reveem-se nas boçalidades voluntaristas e nas promessas populistas do multimilionário. O momento é muito perigoso e difícil, as perspetivas da eleição de Trump para as guerras da Ucrânia e do Médio Oriente são negativas. A confirmarem-se as afirmações feitas durante a campanha, os E.U.A. deixarão de apoiar a Ucrânia. A sua vitória foi certamente celebrada no Kremlin e Putin deve ter ficado feliz com a derrota dos democratas. O presidente húngaro, Viktór Órban, admirador do novo senhorio da Casa Branca e também do autocrata de Moscovo, foi mais expansivo, tendo afirmado que, com a eleição de Trump ficava mais próxima uma solução pacífica para a guerra da Ucrânia. Quem também exibiu claramente a sua satisfação foi o primeiro-ministro israelita Benjamin Nethanyahu, que passou a ter os movimentos mais livres para prosseguir, agora sem grandes constrangimentos, as suas operações bélicas contra Gaza, a Cisjordânia e os palestinianos, o Líbano e o Ezbollah, bem como para retaliar contra o Irão e os seus PROXIS. Claro que o que digo resulta do facto de a vitória de Donald Trump ter tido uma dimensão que deixou a política que venha a conduzir liberta do sistema de freios e contra-freios, uma vez que os republicanos ganharam também o Senado e a Câmara dos Representantes, eles que já tinham a maioria clara no Supremo Tribunal federal. Todavia, num País com instituições democráticas solidamente implantadas, há sempre a possibilidade de poder surgir uma surpresa, podendo ocorrer um inesperado revés ou, até, algum chumbo quanto a alguma medida ou até a algum nome proposto pelo Presidente para um cargo de relevo. Não sendo provável, não deixa de ser possível.

Acrescento ainda que o que acima escrevi não é incompatível com a possibilidade de, sob a presidência de Trump, poder ocorrer um abreviar do termo da guerra entre a Rússia e a Ucrânia. Aliás, o próprio presidente Zelensky acaba de afirmar que é possível que, sob a presidência de Trump, a guerra acabe já durante o próximo ano.

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 O mundo ocidental acompanha, também por isso, as escolhas anunciadas pelo presidente eleito para a sua Administração. E, mais uma vez, tem motivos para se preocupar com uma boa parte dos nomes anunciados. Vejamos os mais polémicos e indesejáveis.

Para procurador-geral foi indicado o nome de Matt Gaetz, apoiante leal de Trump, “cego” defensor da existência de “fraude eleitoral” nos resultados das eleições de 2020, na linha sempre sustentada por Trump e que nunca foi provada em tribunal. Além disso, foi alvo de um uma investigação criminal, encerrada sem acusação em 2023, por suspeita de ter pago para fazer sexo com uma menor. Enfim, factos nada próprios no currículo de um procurador-geral que, nos E.U.A., é também o Ministro da Justiça.

Para secretário da Saúde, está sinalizado Robert F. Kennedy Jr. Filho do antigo procurador-geral dos Estados Unidos, Robert Kennedy, nos tempos da presidência do seu tio, John F. Kennedy. Tornou-se conhecido pelas críticas que fez ao “excesso” de vacinação de crianças e pela oposição às políticas de combate à pandemia de covid 19. Abandonou o Partido Democrata de que era militante, acabando por desistir da candidatura presidencial para apoiar Donald Trump. Outra surpresa é a da indicação de Pete Heggseth para secretário da Defesa. É conhecido como comentador político e apresentador no canal Fox News. Não tem qualquer experiência de comando militar, embora seja um veterano condecorado por atos de coragem em combate. Isto para não falar do importante apoio à Administração (depois do apoio financeiro da campanha de Trump) por parte do homem mais rico do mundo, Elon Musk, o qual, no entanto, não vai precisar do aval do Senado, uma vez que a missão que lhe vai ser confiada consiste na realização da redução de gastos públicos (entregue a ultra-arqui-multi-milionário ????!!!!). Num primeiro momento, o nome de Marco Rubio para Secretário de Estado, senador desde 2011 e dotado de uma enorme experiência na política internacional, foi bem recebido podendo contar mesmo com alguns votos do Partido Republicano.

II –Entretanto,voltei ao meu quotidiano habitual. O mês de novembro, caracterizado pelo “cair da folha” tem sido acompanhado também por diversos óbitos de familiares e amigos que nos vão deixando, mais sós e mais tristes. Em cerca de um mês acompanhámos três funerais. O primeiro foi o de uma prima direita, filha de uma irmã da minha mãe. O último a morrer, no dia de São Martinho, foi o meu amigo, Senhor Joaquim Miranda, dono de um restaurante no Mucifal. Com a sua Mulher, a D. Dalila, criaram um estabelecimento de qualidade indiscutível: na cozinha, no ambiente e no serviço. O meu Amigo Miranda era um Homem de uma simpatia e afabilidade permanentes, que cultivava, com a naturalidade das gentes cordiais, o “saber receber” e “conversar”. Frequentamos o Restaurante Central há trinta anos, desde que temos a nossa casa da Praia das Maçãs. Era todo o nosso luxo dos dias de férias, consolarmo-nos com os pratos e as sobremesas de boa escolha. Era uma espécie de meeting point em que conversávamos sobre os mais diferentes assuntos. O Miranda era do Benfica e eu sou do Sporting, pelo que a propósito do futebol as conversas fulgiam, plenas de piadas, anedotas e predições maldosas acerca dos resultados semanais, a nível interno, como internacionais. Era o leque final de risos e abraços conciliadores.

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 O Joaquim Miranda, que iria fazer 71 anos em dezembro, vai-nos fazer muita falta. Trabalhador e era um homem de Família: tinha dois filhos – a Ana e o Luís – e quatro netas, duas de cada filho. O Luís, trabalhava com ele no restaurante e adorava o pai, com uma amizade que a desigualdade clubística enchia de sabor risonho a convivência que mantinham, sempre profissional no restaurante, mas tocante e amiga na intimidade. Escreveu-lhe uma carta muito bem escrita no dia em que faleceu, emocionante pela gratidão, pelo carinho e pela sinceridade da saudade com que o recordava.

Nós todos, os muitos que o acompanhámos á sua última morada, também o recordaremos, girando pela sala do restaurante, parando aqui e ali com uma recomendação ou uma comentário jocoso, ou a orientar-nos na escolha de um peixe  de mar – acentuava –que ele tinha ido buscar nesse dia muito cedo pela manhã ao mercado da Ericeira ou a um pescador que tinha acabado de chegar do mar. Isto porque sabia que os senhores, apreciadores de peixe, não encontrariam igual lá em Lisboa…

No cemitério em que ficou, na sepultura da mãe que adorara, na serenidade lá do alto, adormeceu a dois dedos do céu, embalado pelo conchego do verde que subia da várzea, lá de baixo. Descanse em paz, Amigo.

Lisboa, 17 de novembro de 2024

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