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D. Sebastião, arte bélica e zelo religioso (IV)

Viagens ao reino de Clio

A empresa da expansão marítima portuguesa prosseguiu durante o reinado de D. Sebastião. De Angola chegam constantes relatos sobre as riquezas da terra. Para além de dispor de terrenos muito férteis para a agricultura, a colónia permite abundante caça e pesca e dispõe de muitas minas de prata e outros metais necessários à economia portuguesa. O rei deu uma capitania a Paulo Dias de Novais, neto de Bartolomeu Dias, com obrigação de fixar cem colonos com mulheres e filhos, de erguer três fortalezas e de dar assistência à missionação dos jesuítas.
    Mas o comércio marítimo também aumentou a oriente. Um missionário, regressado a Lisboa, vindo de Goa, escreveu a propósito das naus que faziam a Carreira da Índia*: “Lembro que represente cada um, a si mesmo e pese bem consigo, que coisa é uma nau da Índia posta à vela com 600, 800 e às vezes mais de 1 000 pessoas dentro de si, homens, mulheres, meninos, escravos, nobres, povo, mercadores, soldados, gente do mar. Nada sem dúvida exagerou quem a comparou a uma grande vila. A viagem, quando muito boa, não pede menos de cinco meses nos quais não há necessidade nem trabalho, nem perigo que se não corra e padeça, na desigualdade dos tempos, nas calmarias da Guiné, nas tormentas do Cabo, na corrupção dos mantimentos, nas febres, nas modorras, na perpétua sombra e presença da mesma morte.”

“Diz o cometa que acometa”

No dia 7 de novembro de 1557, pelas cinco da tarde, em pleno dia, é avistado um cometa em Lisboa, com uma cauda muito brilhante. A população encheu-se de medo, pois viram nele mau agouro e um prenúncio de desgraças, como fome, peste, guerra ou terramotos. Dois dias depois, o próprio rei D. Sebastião avistou o cometa quando estava em Vila Franca de Xira. Visto dessa posição, o cometa dirigia-se para sul, o que foi logo apontado como sendo indicador da vontade do rei combater em África e de que essa era a vontade de Deus. O rei ganhou cada vez mais entusiasmo pela empresa guerreira em Marrocos e passou a dizer “Diz o cometa que acometa”.
Francisco Sanches, famosos Doutor em Filosofia e Medicina escreveu a propósito da aparição do cometa: “O cometa que recentemente replandeceu meu querido Castro, alvoroçou os espíritos humanos de tal maneira que, embora nada mais tenha feito ou pressagiado, bastaria só dizer isto: não havia ninguém que não perguntasse o que prenunciava, o que ameaçava o cometa. De início eu fazia troça, ria-me desta preocupação afanosa e vã. Tu sabes, de facto, quão pouco caso eu faço de todas as alterações do mundo, que são coisas bem insignificantes quando comparadas com a Natureza eterna e quão frequentemente eu costumo dizer: é a mesma coisa e não é nada. Todavia, como em seguida visse que certas pessoas das mais sábias prestavam atenção a estes vaticínios e neles acreditavam, mais do que seria razoável, continuando desta forma até aos nossos tempos a velha superstição dos Árabes e dos Egípcios não só nisto, como também em muitas outras coisas, quando é certo que se não estriba em nenhuma outra razão que não seja uma experiência mal interpretada, o nosso espírito ficou impressionado. (…) [O cometa] nasce como as outras coisas, conforme as causas imediatas, como surgem os homens, como os relâmpagos, como os raios, como o ouro, como a hortelã, como as violetas, como a azeda, como a sálvia, como a azinheira, como o cão, como os cachorros, como os peixes no mar, visto que ninguém, se não for doido, poderia considerar como vaticinadores; portanto, nem o astro crinito com o seu imenso fulgor”.

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*Após a viagem de Vasco da Gama, que descobriu o caminho marítimo para a Índia em 1498, os portugueses passaram a efetuar essa viagem com regularidade. A Carreira da Índia foi o nome dado ao sistema de armadas responsáveis pelas navegações anuais que tiveram lugar entre o reino e a Ásia, pela Rota do Cabo, durante os séculos XVI, XVII e XVIII. Nunca alcançou o volume de negócios que outros países conseguiram, como a Espanha, pois as suas armadas não consistiam em grandes comboios de embarcações mercantes protegidas por escoltas armadas, mas antes numa pequena frota de naus que, frequentemente, viajavam por sua conta e risco. No entanto, a sua importância económica era ainda muito significativa pois as especiarias eram muito valiosas.
Em regra, existia apenas uma esquadra anual, embora os navios pudessem zarpar em datas diferentes ou mesmo serem divididos em pequenas frotas. A frota partia de Lisboa, normalmente em março, mas poderia também zarpar em abril ou maio.

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