Viagens ao reino de Clio
O reinado de D. Sebastião, ainda que efémero pois durou apenas 10 anos, ficou também marcado pela crescente importância da colónia do Brasil para a coroa portuguesa. Embora os donatários* não dispusessem de grandes recursos para levar a cabo a colonização, arrecadaram fundos junto dos capitalistas europeus, sobretudo na Holanda, para a expansão da cultura da cana-de-açúcar, aproveitando a experiência que essa cultura tinha dado aos portugueses nas ilhas dos arquipélagos dos Açores e Madeira. Esta era uma cultura com grande possibilidade de expansão pois a produção que chegava aos consumidores europeus, através dos circuitos tradicionais, era escassa.
Para que a plantação da cana-de-açúcar desse resultado à coroa, era necessário reunir uma série de condições: terras de extensão considerável (sobretudo do nordeste brasileiro por ali existirem as melhores condições naturais), muitos trabalhadores e transporte da produção, até aos engenhos transformadores, feito em larga escala. Como tal, apenas os grandes agricultores ou negociantes poderiam aspirar a este negócio.
Por estes motivos, esta cultura incentivou o tráfego esclavagista negreiro, abastecido pelas possessões portuguesas de África, a que se juntou o recurso forçado à mão de obra indígena.
Uma vez que os portugueses não possuíam grandes recursos, aliaram-se aos holandeses, que financiaram uma grande parte da exploração local mas que, em troca, asseguraram o monopólio da comercialização europeia.
A par desta produção, os portugueses também cultivavam milho, feijão e mandioca, apenas numa perspetiva de subsistência, e dedicavam-se à pecuária extensiva, o que acabou por favorecer o povoamento do interior do território.
Uma das personalidades marcantes do século XVI no Brasil foi o Padre José de Anchieta, um dos fundadores da cidade de São Paulo, canonizado este ano pelo papa Francisco, e um dos pioneiros na cristianização desta colónia. O jesuíta queria também defender os indígenas dos abusos dos colonizadores portugueses que, para além de os quererem escravizar, desejavam tomar-lhes as mulheres e os filhos.
Eis uma carta de sua autoria: «Os perigos e trabalhos que nisto se passam, pela diversidade dos lugares a que acodem se podem avaliar. Perigos de cobras, de que há grandíssima cópia nesta terra de diversas espécies, que ordinariamente matam com sua peçonha; perigos de onças ou tigres, que também são muitos pelos desertos e matos onde é necessário caminhar, perigos de inimigos, tormentos por mares e naufrágios, passagens de rios caudalosos, tudo isto é ordinário; frio, principalmente nas capitanias de S. Vicente, no campo, onde já se acharam índios mortos de frio; e muitas vezes se passam águas muito frias, por longo espaço pela cinta e às vezes pelos peitos. E muitas vezes, para acudir a batizar ou confessar um escravo de um português se andam seis a sete léguas a pé e às vezes sem comer. Não há descansar e nisto se gasta a vida dos nossos, com o que se tem ganhado em todo o Brasil muitas almas ao Senhor.»
*Em 1534, D. João III divide o Brasil em quinze capitanias, entregues a capitães-donatários, como Duarte Coelho, Francisco Pereira Coutinho, Pêro do Campo Tourinho, entre outros. A posse das capitanias é hereditária, mas a coroa reserva para si o monopólio do pau-brasil, escravos e especiarias. Os donatários ficam obrigados a fundar povoações e dispor de meios coletivos de produção como moendas de açúcar, marinhas de sal e engenhos de açúcar. O capitão-donatário substituía assim a autoridade real, dentro da capitania, com o compromisso de provocar o desenvolvimento desses territórios, com recursos próprios, embora na realidade não fosse o seu proprietário, direito que continuava a pertencer à coroa portuguesa. A sua constituição deve-se à impossibilidade do rei a administrar diretamente.