Viagens ao reino de Clio
Portugal é um Reino de pequena extensão e escassamente povoado. A sua agricultura está pouco adiantada pelos imensos gravames que pesam sobre os lavradores. O ramo mais útil da mesma agricultura, que é o do vinho, se acha em decadência pela abertura dos portos do Brasil aos vinhos de todas as nações, pelo aumento da introdução dos vinhos de Espanha em Inglaterra e pelo favor que esta nação tem dado à importação dos vinhos do cabo da Boa Esperança.
2 de junho de 1820: os governadores do reino queixam-se do descontentamento
que grassa em Portugal ao rei D. João VI, ausente no Brasil.
Com a corte estabelecida no Brasil no início do século XIX, Portugal era governado por uma Junta de Regência. Esta, consciente do descontentamento dos portugueses com a situação, teme que ocorra uma revolução a qualquer momento.
No dia 18 de março de 1820, a junta envia ao rei, no Brasil, a seguinte comunicação: “Observando agora mesmo um estado de fermentação nada equívoco, à vista dos pasquins que nestes dias têm aparecido em várias partes desta capital, não podemos deixar de nos possuir do maior cuidado, receando que neste momento os encobertos revolucionários procurem todos os meios de corromper a opinião pública, aproveitando-se dos males reais que afectam muitas classes e fazem milhares de descontentes, provenientes especialmente dos três seguintes motivos: 1º – decadência do comércio. 2º – diminuição sucessiva de numerário. 3º – insuficiência das receitas públicas, não só para o pagamento da dívida, mas até para as despesas correntes, de que tem resultado um considerável atraso em todos os pagamentos, e até nos do exército, que jamais estiveram tão atrasados.”
O próprio comandante-em-chefe do exército, marechal Beresford, parte para o Brasil para persuadir D. João VI a regressar a Portugal mas não obtém resultados.
Alguns meses mais tarde, os governadores do reino alertam o rei de que ou se resolve a crise ou a revolução eclodirá. Enviam nova declaração ao rei: “a nação portuguesa, posto que seja a mais leal do mundo, está em extremo descontente com a ausência prolongada do seu amado soberano; está consternada com a importantíssima perda de navios e cargas que lhe têm causado os insurgentes, vendo renovadas as desgraças da guerra no meio da profunda paz que reina em toda a Europa; vê a agricultura arruinada, pelo baixo preço do grão estrangeiro que tem inundado o Reino, de que resulta o abandono da cultura. Portugal chegou assim a uma crise em que, ou há-de sofrer a revolução das fortunas, a desordem, a anarquia e outros males que traz consigo a aniquilação do crédito público, ou se há-de, sem a menor perda de tempo, cuidar em aumentar a receita sem novos impostos que as presentes circunstâncias não admitem, e em diminuir a despesa, não só a supérflua, mas ainda mesmo a necessária.
(…)
Para o Brasil vai anualmente uma parte muito considerável das rendas deste Reino, bastando a importância dos rendimentos dos bens patrimoniais da coroa e ordens pertencentes aos fidalgos, para formar uma avultada soma, que falta aqui na circulação interior, e nos vai empobrecendo continuamente.”
Na madrugada de 24 de agosto de 1820, o Regimento de Artilharia 2 deu no Campo de Santo Ovídio, no Porto, uma salva de 21 tiros, o sinal combinado para o início da revolução há muito esperada. Reuniram-se-lhe os dois regimentos de infantaria da cidade. Um dos oficiais leu a seguinte proclamação: “Vamos com os nossos irmãos de armas organizar um governo provisional que chame as Cortes a fazerem uma Constituição, cuja falta é a origem de todos os nossos males. Santifiquemos este dia; e seja hoje o grito do nosso coração: Viva El-Rei o Senhor D. João VI. Viva o Exército Português! Vivam as Cortes e por elas a Constituição Nacional.”
É então constituída uma Junta Provisional do Governo Supremo do Reino, composta por pessoas oriundas de várias classes sociais. Presidente: António da Silveira Pinto da Fonseca; Vice-presidentes: Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira e Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda; Pelo clero: Luís Pedro de Andrade e Brederode; Pela nobreza: Pedro Leite Pereira de Melo e Francisco de Sousa Cirne de Madureira; Pela magistratura: Manuel Fernandes Tomás; Pela província do Minho: João da Cunha Souto Maior e José Maria Xavier de Araújo; Pela província da Beira: José de Melo e Castro e Abreu; Pela província de Trás-os-Montes: José Joaquim Ferreira de Moura; Pela Universidade: Frei Francisco de São Luís; Pelo comércio: Francisco José de Barros Lima; Secretários com voto: José Ferreira Borges, José da Silva Carvalho e Francisco Gomes da Silva.
A cidade do Porto acolheu com alegria as notícias deste levantamento e cedo começaram a chegar notícias da adesão de várias forças militares da região.
Em Lisboa, a Junta de Regência chamou à revolta um “horrendo crime de rebelião”.